terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Um conto

Um dos motivos que me levaram a criar o blog foi a possibilidade de divulgar meus textos. Havia tempos eu cogitava a hipótese de expor meus contos e trechos de novelas / romances aos internautas que, como eu, adoram filar um fragmento de escritores “consagrados” ou inéditos que publicam na internet.

Venho fazendo isso (explorando a web atrás de contos, poemas, amostras de romances, e contatos afins) desde 2002, quando ganhei esta estrovenga que uso para escrever e navegar na internet de presente de Natal; eu tinha 18 aninhos.

Alguns dos textos que pretendo publicar neste espaço foram preteridos por sites especializados em literatura e revistas de grande circulação. Eu os chamo de “textos recusados”. Outros deles tiveram melhor sorte, não obstante não tenham logrado fama, dinheiro ou prestígio para o autor. Com “melhor sorte” quero dizer que foram lidos por críticos ou por escritores renomados e que granjearam elogios – que, diga-se de passagem, sempre vieram acompanhados de ressalvas.

Isto posto, deixo, para sua apreciação, um continho que escrevi para um concurso de uma revista que o ignorou. A compactação excessiva, que a meu ver compromete a qualidade do relato, é fruto de minha falta de habilidade para lidar com o limite de caracteres imposto pela referida publicação.

O Sonho Irrealizável

Fez que ia parir, mas não pariu; reteve o fruto até não poder mais. Fez que ia escrever um longo e ininterrupto monólogo, mas não escreveu. Sentou no sofá, caderno e caneta no colo, sem escrever. Emitiu um longo suspiro de animal castrado. Onde o fruto?

Largado no sofá, vestindo um chambre cáqui, esperava um telefonema. Passou a tarde toda em frente ao telefone, mas ela não ligou. Lá pelas seis adormeceu. Sonhou que ambos moravam numa vila humilde e pacata, ao pé de uma colina. E que possuía uma caminhonete preta, ano 85, e uma cachorra também preta mas com as patas dianteiras brancas, chamada Pantera.

O sonho foi curto e bom. Contou ainda com um campo repleto de flores amarelas, além de um objeto reluzente sob a copa de uma árvore, que parecia um piano.

Tão bom era o sonho que desistiu dele por julgá-lo irrealizável. Destacou a folha do caderno, a amassou, e jogou o sonho fora. O sonho jazeria no saco de lixo até a próxima coleta. Dividiria espaço com embalagens e sobras de alimento; seria embebido em chorume.

Deixou de lado o caderno e abriu o laptop. Quem sabe assim... Alongou os braços, estalou os dedos. Lá estava ela, a tela, branca e radiosa. Vinte anos atrás, tal visão provocava-lhe uma ereção portentosa; agora, só uma incômoda sudorese. Ao olhar para a tela em branco, o escritor se deu conta de que não tinha mais nada a dizer. Embora nada tenha sido dito, parafraseou Beckett. Sentiu-se mal por estar há dois anos sem produzir nada. Esfregou os pés um no outro; o fez até que sobreviesse a ardência, mas eles continuavam gelados. Seu coração se acelerou. Tomara muito café; aquele café amargoso e retinto feito pela mocinha que uma vez por semana limpava o apartamento. Doía-lhe o estômago. Doíam-lhe os olhos pela leitura noturna sob a luz mortiça duma luminária verde-água cuja cobertura evocava um guarda-chuva de frevo. Ligou a tevê. O âncora dum telejornal noticiava a visita do presidente americano a um país da África, que finalmente gozava de paz após mais de vinte e cinco anos de guerra civil. As imagens mostravam o líder dos EUA interagindo com um grupo de dançarinos nativo, e seu esforço risível para aprender dois ou três passos de dança.

Espiou mais uma dúzia de canais, depois olhou pro relógio oblongo no centro da parede.

Teve medo. O coração voltou a trotar no peito. Ela não vai aparecer. Achou tudo ridículo: uma obra irrelevante. Os jornais dariam, no máximo, uma notinha de rodapé. A visão tornara-se turva. O laptop tombou.

2 comentários:

  1. Meu amigo Bruno, fico feliz de ver que agora alguns escritos nao ficaram retidos...
    Compartilhará conosco...

    Bjos saudadeeeeee

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  2. Valeu,Pamela!

    Obrigado pelo incentivo.

    Bjus!

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