sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Lendo-endo-endo

Não sei por que (cinismo!), mas quando encontro velhos amigos eles sempre me perguntam o que estou lendo no momento. Ninguém fala do “meu tricolor”, nem pergunta se fui ao show da dupla sertaneja ou do grupo de pagode da atualidade no último domingo, nem se tenho feito exercícios físicos com regularidade, nem se tenho ido à igreja, nem se casei ou tenho procriado por aí. Querem apenas saber o que estou lendo.

Pois bem. Para os que vivem querendo saber que livros jazem à minha cabeceira, aí vai:

Comarc McCarthy e Philip Roth – Dois dos maiores – se não OS MAIORES – romancistas americanos contemporâneos. Do primeiro, estou lendo "Todos os Belos Cavalos”, estória de meninos-rancheiros, haciendas mexicanas, e, claro, cavalos, muitos cavalos. (Aliás, o título, “All The Pretty Horses”, me é caro porque considero o cavalo uma das mais belas e fascinantes criações da natureza. Posso não saber montar e não entender bulhufas de eqüinos, mas não há como ignorar a força e o porte magnífico dessa espécie.) McCarthy é preciso nas descrições, usa poucos adjetivos, “abusa” da conjunção “e” em muitas sentenças, tornando-as mais longas e fluidas, além de ser bastante hábil na construção dos diálogos. O narrador em terceira pessoa atém-se o tempo todo aos fatos, à superfície dos corpos, aos gestos. Os sentimentos e pensamentos das personagens nunca são revelados; estamos distante do campo do “fluxo de consciência” à James Joyce, por exemplo.

Não seria descabido considerar “Todos os Belos Cavalos” um road novel, já que boa parte dos acontecimentos se dá na estrada – com a diferença de que o meio de transporte utilizado é o cavalo, e não o automóvel.

Para leitores citadinos, a trama e a ambientação rural do romance podem até soar enfadonhas, mas é praticamente impossível não admirar a boa e sofisticada prosa de Comarc McCarthy.

***

A Humilhação: Trigésimo livro do profícuo Philip Roth, que costuma lançar um livro por ano. O tema desta novela curta (são aproximadamente 100 páginas) é o talento. Um famoso ator sexagenário enfrenta uma grave crise pessoal e profissional: é abandonado pela mulher, sofre com terríveis dores na coluna, e se vê incapacitado de atuar de repente.

Privado de seu talento, o protagonista mergulha numa depressão profunda, que o leva a se internar numa clínica psiquiátrica. Após um breve período de internação, ele retorna para casa e se fecha para o mundo. Mesmo os apelos do agente e melhor amigo para que volte a trabalhar são inúteis. Ele se convence de que está irremediavelmente arruinado e de que nada de inspirador pode voltar a acontecer consigo. Até o dia em que uma mulher vinte e cinco anos mais jovem do que ele entra sorrateiramente em sua vida.

Roth é um mestre da narrativa longa. Seu texto é conciso e elegante. Sua capacidade de criar personagens complexos e de expor suas aflições de modo claro e original é rara. Poucos escritores atuais possuem uma verve narrativa tão vigorosa quanto a sua. E embora este “A Humilhação” não traga o melhor de seu talento, é sem dúvida um deleite para os apreciadores da boa literatura.