terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Continho impudico

Rita


Para os amigos Paulão e Flávio, onde quer que eles estejam

Sua boca cheirava a bueiro e flor recém-colhida. Rita, Rita, Rita... Na hora, não liguei pra tatuagem nas costas e pros dentes pontiagudos. Tinha sido, na verdade, indicação de um amigo. É bem feito pra minha mãe... Bom pra ela aprender. Que nem sempre botar pra fora é a melhor solução, pois o choro, em certos momentos, pode nos levar a aceitar passivamente o que deveria ser terminantemente repelido.

- eu tenho um blog!

Que bom. Nele, depositava diariamente todos os prós e contras da profissão. Observei as várias barbies em cima da penteadeira. De uma em especial me lembrei. Costumava brincar com minha prima. Eu era o Ken disfarçado de Jaspion, ou o contrário?! Até o dia em que minha tia pegou o Ken trepando a barbie sobre a cama de casal improvisada.

Eu tinha uma pergunta a fazer, mas a língua deu de travar bem na hora. Queria saber se aquele papo de filme pornô era verdade. A entrevista pro jornal do sindicato dos metalúrgicos continha alusões a propostas de um diretor americano. Era o que menos importava. Pensei no velho truque do tapinha nas nádegas.

- você quer que apague a luz?

Melhor na penumbra. Afinal de contas meu pau não é dos maiores. E eu sabia que meus amigos eram clientes cativos. Na agência todo mundo conhecia a Rita. Nada a ver com os macetes de vestiário. De repente, era como se houvesse um vaso dependurado sobre a cama e dele pendessem orquídeas. O que minha avó iria pensar (?). O jeito que mexia as pernas... Tão acostumada. Com quantos, será? Quinhentos? Uma senhora de 80 anos. Nada tinha que ver com sexo. Não dava mais pra desistir.

Tá. Vou dizer do que eu gosto. Se pela internet já era difícil, imagina. Precisa lubrificante? Ponho a camisinha. Esse vai ser um dinheiro bem empregado. Ganha pouco um estagiário. Eu quero ver a vulva. É um direito meu. E o romantismo, onde fica? Eu divido o quarto com a minha irmã mais nova. (Coloquei a mão no seu joelho.)

Ai, ui, ui... A gente não tem que ter vergonha. Todo mundo gosta. Até quem não faz gosta. E quem não gosta faz. Já fomos expulsos mesmo. O paraíso já era. Panturrilha eu mesmo não lambo. É meio roxinha. Não fica bem ir assim colocando o dedo. Nossa, será que é silicone? Agora já peguei. Tá feito. O segredo é humanizar o sexo. Quentinho. Na boca, a gente logo remete aos mamilos maternos. Tara é outra coisa. Mesmo sendo inumano não é má idéia.

- (...)

Ahaaaaaa. Halls preto funciona, disseram. Troquei seu nome. Cravou as pernas nas minhas costas. Depois que entra, o negócio segue automático. Milhares de anos até chegarmos aqui. Putz, ela deve pesar dez quilos mais que eu. Olho os pelos pubianos. Escuros como os cabelos escovados. Faz porque gosta. Sua boca cheira a cigarro. Vejo a marca de vacina.

- uma vez um elefante marinho se arrastou até aqui.

De cinco a dez minutos pro pau voltar a enrijecer, na minha idade.

- põe ali, a camisinha.

Certo, Rita, minha puta de luxo. Cento e cinqüenta reais por uma hora e meia. Rende mais que uma caderneta de poupança. Cê topa casal?

- entra no meu blog e comenta, tá?

Eu sou homem e ela é mulher. Um belo par de orelhas. Sinuosos os lóbulos. Bandeirola do Brasil pintada na unha do dedão do pé. No calor da hora sempre sai um palavrão. Aborto. E o amor se multiplicando qual bactéria na troca de salivas. Puta beija, sim. O gozo repartido por igual. Ela dá vivas à pílula do dia seguinte; e eu dedico à minha mãe o sêmen derramado.

- sonho com uma casa cheia de crianças.

Na nossa sociedade o cu é oferecido em sacrifício. Baco vem brindar conosco e bebe do nosso vinho de fluidos corporais. Apagando as diferenças. Chuva doirada lava o nosso corpo e conspurca os brancos lençóis. Dessa vez ela fica por cima. É assim que meu professor de filosofia faz amor com sua esposa. Ela lava a louça, faz a lista do supermercado e fica por cima. Tão polido, ele, que a turma cogitava a possibilidade do pobre pedir licença para abrir as pernas da sua senhora. Isso tudo num filme brasileiro dos anos 80 com um som de quinta categoria.

- Uma vez eu peguei no do meu colega, no banheiro da escola. Ele tinha tirado D na prova de matemática.

As barbies todas fazendo strip-tease. O ursinho de pelúcia tapou os olhos. Uma espinha brotara no seu queixo. Caras e bocas. Meu voto pela legalização da sacanagem.

O que resta de tudo isso, no entanto, é um olhar de tristeza alegre, um membro levemente esfolado, e uma culpa cristã encalacrada na carne de quem nunca sangrou para a remissão dos pecados.

- cê volta, né?

Eu volto, Rita. Tão logo eu morra num acidente de trânsito e engorde as estatísticas. Assim que acabar a novela. Depois da polução noturna eu volto. Das ruas submersas na enchente. Dos quadros e do semblante melancólico de Van Gogh. O apêndice explodindo, eu volto. Em não cicatrizando a perda, não rimando amor e amor eu volto.

2 comentários:

  1. Não entendo o marcador deste post. Esse texto foi recusado por quem, em quais circunstâncias e por quais alegações.
    O texto é uma faca, Bruno.
    Abraço
    Ronaldo

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  2. Obrigado pela visita e pelo elogio, amigo.

    Este texto foi recusado por alguns sites "especializados" em literatura, sob a alegação de que...Bem, sob alegação nenhuma, porque nunca recebi resposta de publicação ou editora alguma. Minhas recusas foram sempre tácitas.Ou seja, as piores!

    Abraço!

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