domingo, 11 de dezembro de 2011
Crack
domingo, 10 de julho de 2011
Ivan Ilitchi está morrendo

Ivan Ilitch via que estava morrendo e desesperava-se.
No fundo do coração sabia que estava indo embora e, longe de acostumar-se com a idéia, simplesmente não conseguia entendê-la.
O exemplo de um silogismo que aprendera na Lógica de Kiezewetter, “Caio é um homem, os homens são mortais, logo Caio é mortal”, parecera-lhe a vida toda muito lógico e natural se aplicado a Caio, mas certamente não quando aplicado a ele próprio. Que Caio, ser abstrato, fosse mortal estava absolutamente correto, mas era não era Caio, nem um ser abstrato. Não: havia sido a vida toda um ser único, especial. Fora o pequeno Vanya, com mamãe e papai Mita e Volodya, com brinquedos e um tutor e uma babá; e mais tarde com Kátia e todas as alegrias e prazeres da infância, da adolescência e da juventude. O que sabia Caio do cheiro da bola de couro de que Vanya tanto gostava? Por acaso era Caio quem beijava a mão de sua mãe e escutava o suave barulho da seda de suas saias? Foi por acaso Caio quem se envolveu em protestos quando estudante de Direito? Foi Caio quem se apaixonou? Quem presidiu sessões como ele?
E Caio certamente era mortal e era mais do que justo que morresse, mas ele, o pequeno Vanya, o Ivan Ilitch, com todos os seus pensamentos e emoções, é completamente diferente. Não pode ser verdade, isso seria terrível demais.
Era assim que se sentia por dentro.
“Se eu tinha que morrer assim como Caio, deveriam ter me avisado antes. Uma voz dentro de mim desde o início deveria ter-me dito que seria assim. Mas não havia nada em mim que indicasse isso; eu e todos os meus amigos sabíamos que no nosso caso seria diferente. E eis que agora... Não... não pode ser e no entanto é assim! Como entender isso?”
Trecho de “A Morte de Ivan Ilitch”, de Leon Tolstoi.
segunda-feira, 13 de junho de 2011
Inspiração
Sentado à mesa da cozinha, esperando a água do chá ferver, Vladimir foi arrebatado por uma idéia genial para um romance, que nasceu bem atrás do olho esquerdo e, grandiosa, logo se espalhou por toda a cabeça. Foram cerca de quarenta segundos de uma deliciosa euforia que terminou com o escritor tombando no chão frio. Incomodada com o zunido da chaleira, sua mulher acorreu à cozinha e pôde socorrê-lo. No hospital, após uma bateria de exames, o médico deu o diagnóstico: AVC. “Querida, você trouxe meu bloco de notas?”, indagou um débil Vladimir no leito da UTI, segurando com firmeza a mão da esposa.
terça-feira, 12 de abril de 2011
Elas pareciam muito estranhas, sorriam e conversavam e eram felizes.

Foi no jardim de infância que conheci as primeiras crianças da minha idade. Elas pareciam muito estranhas, sorriam e conversavam e eram felizes. Não gostei delas. Sempre me sentia enjoado e o ar tinha um aspecto estranhamente calmo e puro. Pintávamos com tinta guache. Plantávamos sementes de rabanete no jardim e algumas semanas mais tarde os comíamos com sal. Gostava da senhora que ensinava no jardim de infância, gostava mais dela que dos meus pais. Um problema que eu enfrentava era ir ao banheiro. Estava sempre apertado, mas tinha vergonha de deixar os outros saberem da minha necessidade. Assim, eu segurava. Era realmente terrível conter a vontade. E o ar estava puro, e eu sentia vontade de vomitar, vontade de cagar e de mijar, mas não dizia nada. E quando algumas das outras crianças voltavam do banheiro, eu pensava: vocês estão sujas, vocês fizeram algo lá dentro...
As garotinhas eram bacanas em seus vestidos curtos, com seus cabelos longos e seus belos olhos, mas eu pensava, elas também fazem as coisas lá dentro, mesmo que finjam que não.
O jardim de infância era em grande parte constituído de ar puro...
(Trecho de "Misto-quente", de Charles Bukoski. Tradução de Pedro Gonzaga. L&PM Pocket - 316 páginas.)
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
A juventude do artista
O problema dele é que não está preparado para fracassar. Quer um A ou um alfa ou cem por cento em todas as tentativas, e um grande Excelente! na margem. Ridículo! Infantil! Ninguém precisa lhe dizer isso: pode ver por si próprio. Mesmo assim. Mesmo assim não pode agir. Não hoje. Talvez amanhã. Talvez amanha tenha vontade, tenha coragem.
Se fosse uma pessoa mais cálida, sem dúvida acharia tudo mais fácil: a vida, o amor, a poesia. Mas não há calor em sua natureza. E não é o calor que leva a escrever poesia. Rimbaud não era cálido. Baudelaire não era cálido. Quente, sim, mas era preciso – quente na vida, quente no amor -, mas não cálido. Ele também é capaz de ser quente, não deixou de acreditar nisso. Mas no momento, no momento indefinido, ele é frio: frio, congelado.
E qual o desfecho dessa falta de calor, dessa falta de coração? O desfecho é que está sentado sozinho na tarde de domingo no quarto de cima de uma casa no fundo do campo de Berkshire, com corvos crocitando no campo e uma névoa cinzenta no céu, jogando xadrez sozinho, ficando velho, esperando a noite cair para, sem nenhuma culpa, fritar suas lingüiças para comer com pão no jantar. Aos dezoito anos, podia ter sido um poeta. Agora não é um poeta, nem um escritor, nem um artista. É um programador de computador, um programador de computador de vinte e quatro anos num mundo em que não existe programadores de computador de trinta anos. Trinta é velho demais para ser programador; a pessoa se volta para alguma outra coisa – algum tipo de empresariado – ou se mata. Só porque é jovem, porque os neurônios em seu cérebro ainda estão disparando mais ou menos infalivelmente, é que tem um pé na indústria de computadores britânica, na sociedade britânica, na Grã-bretanha em si. Ele e Ganapathy são dois lados da mesma moeda: Ganapathy morrendo de fome não porque está separado da Mãe Índia, mas porque não come direito, porque apesar de seu mestrado em ciência da computação não sabe nada sobre vitaminas, minerais e aminoácidos; e se trancou num fim de jogo debilitador, jogando consigo mesmo, a cada lance mais encurralado, mais derrotado. Um dia desses, os homens da ambulância terão de ir ao apartamento de Ganapathy e tirá-lo de lá numa maca com um cobertor em cima da cara. Depois de levar Ganapathy, podiam vir buscá-lo também.
Trecho final do romance Juventude, de J. M. Coetzee.
sábado, 13 de novembro de 2010
Um Deus das pequenas e das grandes causas
São raras as vezes em que penso em Deus. Apesar disso, tenho um fundo religioso, uma ânsia de religião. Queria me convencer de que definitivamente tenho uma definição de Deus, um conceito de Deus. Mas não tenho nada semelhante. São raras as vezes em que penso em Deus, pelo simples fato de que o problema me excede tão demasiada e soberanamente, que chega a me provocar uma espécie de pânico, uma debandada geral de minha lucidez e de minha razão. “Deus é a totalidade/’, diz Avellaneda com freqüência. “Deus é a Essência de tudo”, diz Aníbal, “o que mantém tudo em equilíbrio, em harmonia, Deus é a Grande Coerência. Sou capaz de entender uma e outra definição, mas nem uma nem outra são a minha definição. É provável que eles estejam no caminho certo, mas não é desse Deus que necessito. Necessito de um Deus com quem conversar, um Deus em quem possa buscar amparo, um Deus que responda aos meus questionamentos, que suporte as metralhadas das minhas dúvidas. Se Deus é a Totalidade, a Grande Coerência, se Deus não é mais que a energia que mantém vivo o Universo, se é algo tão incomensuravelmente infinito, que importância posso ter para Ele, um átomo tão precariamente alçado a um insignificante piolho de seu Reino? Não me importa ser um átomo do último piolho de seu Reino, mas me importa que Deus esteja ao meu alcance, me importa poder agarrá-lo, não com minhas mãos, claro, nem sequer com meu raciocínio. Importa agarrá-lo com meu coração.
Trecho do romance A Trégua, do uruguaio Mario Benedetti.
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Lendo-endo-endo
Pois bem. Para os que vivem querendo saber que livros jazem à minha cabeceira, aí vai:
Comarc McCarthy e Philip Roth – Dois dos maiores – se não OS MAIORES – romancistas americanos contemporâneos. Do primeiro, estou lendo "Todos os Belos Cavalos”, estória de meninos-rancheiros, haciendas mexicanas, e, claro, cavalos, muitos cavalos. (Aliás, o título, “All The Pretty Horses”, me é caro porque considero o cavalo uma das mais belas e fascinantes criações da natureza. Posso não saber montar e não entender bulhufas de eqüinos, mas não há como ignorar a força e o porte magnífico dessa espécie.) McCarthy é preciso nas descrições, usa poucos adjetivos, “abusa” da conjunção “e” em muitas sentenças, tornando-as mais longas e fluidas, além de ser bastante hábil na construção dos diálogos. O narrador em terceira pessoa atém-se o tempo todo aos fatos, à superfície dos corpos, aos gestos. Os sentimentos e pensamentos das personagens nunca são revelados; estamos distante do campo do “fluxo de consciência” à James Joyce, por exemplo.
Não seria descabido considerar “Todos os Belos Cavalos” um road novel, já que boa parte dos acontecimentos se dá na estrada – com a diferença de que o meio de transporte utilizado é o cavalo, e não o automóvel.
Para leitores citadinos, a trama e a ambientação rural do romance podem até soar enfadonhas, mas é praticamente impossível não admirar a boa e sofisticada prosa de Comarc McCarthy.
***
A Humilhação: Trigésimo livro do profícuo Philip Roth, que costuma lançar um livro por ano. O tema desta novela curta (são aproximadamente 100 páginas) é o talento. Um famoso ator sexagenário enfrenta uma grave crise pessoal e profissional: é abandonado pela mulher, sofre com terríveis dores na coluna, e se vê incapacitado de atuar de repente.
Privado de seu talento, o protagonista mergulha numa depressão profunda, que o leva a se internar numa clínica psiquiátrica. Após um breve período de internação, ele retorna para casa e se fecha para o mundo. Mesmo os apelos do agente e melhor amigo para que volte a trabalhar são inúteis. Ele se convence de que está irremediavelmente arruinado e de que nada de inspirador pode voltar a acontecer consigo. Até o dia em que uma mulher vinte e cinco anos mais jovem do que ele entra sorrateiramente em sua vida.
Roth é um mestre da narrativa longa. Seu texto é conciso e elegante. Sua capacidade de criar personagens complexos e de expor suas aflições de modo claro e original é rara. Poucos escritores atuais possuem uma verve narrativa tão vigorosa quanto a sua. E embora este “A Humilhação” não traga o melhor de seu talento, é sem dúvida um deleite para os apreciadores da boa literatura.
terça-feira, 4 de maio de 2010
Escrever: velhos esboços
Encher uma página de palavras sempre me dá prazer, ainda que o texto seja uma porcaria. Esse vício, contudo, é extremamente prejudicial a qualquer pessoa que queira escrever bem, pois ajuda a tornar o redator mais relapso e, conseqüentemente, menos criterioso com seus próprios escritos.
Eu também já escrevi em outro lugar que a pior parte do trabalho de um escritor é reler o que escreveu. Isso pode destruir carreiras se o sujeito não possuir o mínimo de jogo de cintura. Tenho feito o seguinte: procuro não ler um texto imediatamente após sua composição, para me preservar de uma eventual “depressão pós-parto”. Isso geralmente funciona, a não ser que o texto seja deveras ruim. Então só volto a minha cria horas, dias, ou semanas depois, sempre lutando contra um impulso natural de querer retomar o fruto engendrado o mais rápido possível. Essa luta é também contra minha ansiedade crônica, que me prejudica até quando estou em pleno processo criativo. Levando isso em conta, acredito que a ansiedade não me auxilia em absolutamente nada, muito menos quando estou compondo um texto literário - ao contrário do que afirmei em um de meus relatos de há não muitos dias”.
domingo, 28 de março de 2010
Olhos Castrados
***
Como de hábito, eu tinha passado as dezoito horas em que me mantivera acordado em constante conflito comigo mesmo. Naquela noite, o sono me engolfou por volta das quinze para as duas, depois de eu ter ficado meia hora pensando em como fazia tão pouco tempo que eu não adormecia sem antes me persignar e agradecer a Deus pelo meu bem-estar e o de meus familiares. Aos quatorze anos, eu era um menino temente a Deus, que sofria de insônia, e só se apaixonava por “garotas problemáticas”. Hoje não bendigo nem maldigo Deus nem o diabo, alterno noites de insônia crônica com períodos de folgada hibernação, e procuro sempre renovar meu amor pela mesma mulher: aquela que criei para mim mesmo tão-logo me vi envolvido pelas coisas do amor e do sexo (e da morte, claro!) há mais ou menos vinte anos.
Foi com essa mulher que sonhei aquela noite. Era então apenas uma amiga que tinha pudor em chorar apoiada em meus ombros. Eu era seu confessor mais fiel. E o mais que ela sabia sobre mim era que eu disfarçava minha solidão – mal e porcamente, ressalte-se – enviando mensagens de esperança e de adeus em garrafas de cerveja para ninguém. No sonho eu me negava a admitir que estava irremediavelmente apaixonado por ela. Para não correr o risco de ser desnudado pela força arrebatadora do seu olhar, eu tentava me manter o mais distante possível do seu campo de visão. Às vezes baixava a guarda e era surpreendido por uma investida sua que, por mais que eu relutasse em aceitar, acabava por extrair de mim revelações que só viriam à tona em sonhos ou em pesadelos febricitantes. Nossos momentos de maior intimidade se davam quando ela chorava e dizia desconhecer o cerne de sua dor. E o mais próximos que chegávamos da lubricidade era quando nos entregávamos desvairadamente à nossa idiotia galhofeira que nos provia de imensos e prazerosos risos.
Certo dia ela desapareceu resguardada pela neblina do sonho. E, para minha surpresa, seus amigos mais próximos me atiraram pedras. Diziam que eu só podia ser cego para não perceber que ela se afastara porque sentia que eu nunca corresponderia a seus anseios de mulher apaixonada. Fiquei furioso. Arranquei meu coração à unha e o guardei dentro de uma gaveta. Ela nunca mais voltou. E eu simplesmente acordei.
sábado, 20 de março de 2010
Aparições
sexta-feira, 12 de março de 2010
Highsmith-Dickinson-Skylab
A escritora americana Patricia Highsmith (1921-1995), criadora da série de romances policiais do personagem Ripley, em foto dos anos 40.
Existe um árido prazer
Que da alegria difere
Como o gelo, do rocio -
Embora o mesmo elemento sejam.
Para a flor, o orvalho é festa,
e a geada é desprazer -
O mais fino mel congelado
Não tem valor para a abelha.
(Emily Dickinson, in Poemas escolhidos, 2008, L&PM)
Rogério Skylab canta "La mer", este segundo hino francês, de Charles Trénet.
domingo, 21 de fevereiro de 2010
Entrevista com o livreiro
Abaixo, reproduzo algumas declarações de Herz que chamaram minha atenção:
A novidade dos e-readers
“Em março vamos disponibilizar 150 mil títulos em formatos para e-readers. Eu acho que é uma opção a mais para o leitor. Não vamos vender o hardware, só conteúdo.”
O futuro dos e-readers
“Não sei bem, está tudo muito cru, muito no início, e não sei bem como serão as vendas. Acho que bem pequenas.
“Acho o e-reader uma ferramenta fantástica, mas daí a virar o substituto do livro... Já vi esse filme antes, já vi o VHS chegar e dizer que ia acabar com o cinema. Já vi, na Feira de Frankfurt, dizerem que o mundo ia virar CD-ROM, e o mundo não virou CD-ROM. Dois anos depois não se falava nisso, as editoras me falavam: "Pô, perdemos um dinheirão, admitimos um monte de gente e não deu em nada". A sensação que eu tenho é que a gente está vendo uma nuvem, que vai passar. Pode ser que chova, mas, num curto prazo, não vai acontecer nada.”
E-reader x livro de papel
“Imagina um advogado que vai fazer uma audiência no Acre e tem que levar aquela papelada do processo. Um editor de uma grande editora de livros, que recebe 50 livros novos por semana de todo mundo, para resolver se vai publicar ou não, ter isso digitalizado e num voo de 12 horas para a Europa ir dando uma olhada no que interessa ou não. É de uma utilidade fantástica, mas não sei se é a melhor ferramenta para o leitor de livros. E tem outra pergunta que eu faço: fará novos leitores? Quem não lê livro de papel, não vai passar a ler por causa do livro eletrônico.”
A formação de leitores
Acredito que quem faz leitor são os pais, inegavelmente. Os jovens leitores são filhos de leitores. Dificilmente aparece uma criança ou adolescente que não tenha os pais leitores. A grande campanha que na minha opinião deveria ser feita pelo governo é mais ou menos assim: "Se você não lê, como quer que seu filho leia?". Essa é a pergunta que deve ser feita. Porque os meus filhos "liam" sem ser alfabetizados, pegavam o livro na mão para imitar os meus gestos.
O faturamento da livraria
Segundo informações do repórter Fábio Victor, a Livraria Cultura possui atualmente 5 lojas (cinco em São Paulo e as outras em Campinas, Recife, Porto Alegre e Brasília), e pretende inaugurar mais três em 2010: em Salvador, Fortaleza e uma segunda na capital federal.
A rede tem mais de 3 milhões de títulos em catálogo e 1.400 funcionários (serão mais 400 para as três novas lojas). Em 2009, obteve faturamento de R$ 274 milhões, crescimento de 18% em relação a 2008.
“As vendas pela internet representam 16% do faturamento em 2009. É a nossa segunda loja. A primeira é a da Paulista (...) [No período mais grave da crise, entre 2008 e 2009] Nós crescemos legal, 18%.
A grande ameaça
A grande ameaça que existe é a não-formação de novos leitores. As famílias [ricas] que tinham cinco filhos há um século, hoje ou não têm nenhum ou têm um, no máximo dois. O número de leitores cresce pouco, se é que cresce. Se você pegar o universo da classe D, esse pai não tem orgulho nenhum do que faz, nem a mãe. Então a compra de um lápis significa para ele um investimento na educação de um filho. Acho isso extremamente bacana, é um raciocínio válido, mas sabemos que é insuficiente. O apagão do ensino taí, a dificuldade que temos de admitir gente é homérica. A gente aplica testes básicos dos básico de conhecimentos gerais razoáveis. A gente quer que o candidato leia jornais, uma revista, que seja atualizado. Você pergunta para ele quem escreveu "Dom Casmurro", metade levante e vai embora. E são todos universitários formados. E não sou o único que tem esse tipo de problema. Falei com outros empresários, de outras áreas, que têm exatamente o mesmo problema. Gente que não encontra engenheiros, que não encontra médicos. Veja o resultado do Enem. Está difícil acreditar. Esse crescimento anunciado é sustentado? Ou é um momento de paternalismo que está aí? Estou procurando gente [para as lojas] no Nordeste, tem gente que não quer ser registrada. Perguntamos por que, e dizem: "Ah, porque eu recebo a Bolsa [Família], minha mulher recebe a Bolsa. E a população cresce nesses lugares do Nordeste. E gente esclarecida que pode ter filhos está tendo cada vez menos, se é que está tendo. Conheço casais de amigos, leitores, muito bem casados, felizes, que preferiram não ter filhos.
Livros usados
“Minha mãe começou a livraria achando que muito livro valia a pena ser lido e não ser comprado. Ela começou alugando livro. Sou francamente favorável ao comércio de livros usados. E há espaço para todo mundo. (...) O que eu condeno é que um irmão mais novo não possa aproveitar o livro do irmão mais velho na escola. O que é que mudou na aritmética e na geografia? Por que tem que jogar fora esse livro. Hoje o governo até faz uma campanha para o aproveitamento [do livro didático], extremamente salutar, mas não é só. Por que o livro novo tem que ter um leitor por exemplar? Não tem biblioteca. Um livro, um leitor, é pouco.”
Bibliotecas públicas
[Sobre a nova Biblioteca de São Paulo]
“O [secretário estadual de Cultura, João] Sayad me falou que eles se inspiraram muito no modelo da [Livraria Cultura da avenida] Paulista, que é um local onde as pessoas ficam. Fiquei orgulhoso. É possível criar um lugar onde as pessoas se entretêm, têm opções para aprender e ver alguma coisa de concreto. A coisa mais bacana que achei é que ela vai funcionar nos fins de semana. Gente, o Brasil é o único país em que as bibliotecas fecham no fim de semana, quando os pais podem levar os filhos.”
domingo, 7 de fevereiro de 2010
Contos embrionários I
sábado, 16 de janeiro de 2010
Melhores de 2009 (II)
Os títulos estão em ordem de preferência:
1 – A Sibila, Agustina Bessa-Luís
2 – Austerlitz, W. G. Sebald
3 – As Virgens Suicidas, Jeffrey Eugenides
4 – Notas do Subsolo, Fiodor Dostoiévski
5 – Juventude, J. M. Coetzee
6 – Diário de Um Velho Louco, Junichiro Tanizaki
7 – Histórias de Cronópios e de Famas, Julio Cortázar
8 – Bartleby e Companhia, Enrique Vila-Matas
9 – Fun Home, Alison Bechdel
10 – eXato acidente, Tony Monti
11 – Um Esporte e Um Passatempo, James Salter
12 – A Viagem do Elefante, José Saramago
13 – Indignação, Philip Roth
14 – Longe da Água, Michel Laub
15 – A Louca da Casa, Rosa Montero
16 – O Lugar Escuro, Heloísa Seixas
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
Achaque natalino
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Agora ele é mais um circunstante que caminha pelo shopping munido de sacolas personalizadas. Na altura do corredor que leva aos sanitários, ele cansa e encosta-se em uma pilastra ladrilhada de verde. Abre as três sacolas que porta e confere o que comprou até então: um carrinho de controle remoto para o afilhado, um relógio de pulso para a mãe, e um rádio portátil para o pai acompanhar os jogos de futebol. Enquanto retoma seus passos largos mas cadenciados, pensa nos familiares cujos presentes ainda falta comprar. Pensa também em quanto falta para alcançar o limite de seu cartão: pouco, bem pouco. Ele trabalha num escritório ordinário numa função mais ordinária ainda, o que justifica o fato de seu limite de crédito ser tão baixo. Todos os meses tem de rebolar para saldar as dívidas e não terminar no vermelho. Não que ele goste disso, mas já se acostumou.
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domingo, 29 de novembro de 2009
Verdades literárias
A literatura, por mais que nos apaixone negá-la, permite resgatar do esquecimento tudo isso sobre o que o olhar contemporâneo, cada dia mais imoral, pretende deslizar com a mais absoluta indiferença.
Enrique Vila-Matas / Bartleby e companhia
Alguns fatos só se tornam verdadeiramente críveis quando colocados no papel. Certas experiências só adquirem sua real dimensão quando consubstanciadas em literatura. O mero relato oral ou o discurso jornalístico nem sempre se prestam à melhor exposição de determinados acontecimentos. Às vezes, apenas uma forma alternativa de narrar, que nem sempre é a mais clara ou a mais razoável, consegue transmitir sensações e idéias dos mais variados matizes.
Quando iniciei meu roman à clef Paroxetina, não tinha idéia do estilo de narrativa que desejava criar. Só sabia que precisava compartilhar certos aspectos da minha vida que - devido a uma série de fatores, mas principalmente pelo fato de eu ser uma pessoa muita reservada (leia-se extremamente tímida) - sempre foram circunscritos ao conhecimento de poucos. E o que eu pretendia com isso? A bem dizer, o motivo ainda não me é claro até hoje, um ano após a conclusão do livro, porém tenho certeza de que ele está muito mais relacionado à busca por autocompreensão e à necessidade de * “compartilhar minha solidão, torná-la meio de conhecimento”, do que a alguma compulsão autodepreciativa ou à urgência de clamar por ajuda.
O estilo por assim dizer “tragicômico” só foi definitivamente adotado quando a narrativa já se encontrava pelo meio, o que me obrigou a reescrever boa parte da história. Esse tom foi escolhido no intuito de mitigar um pouco a natureza extremamente dramática / pesada dos temas tratados (alcoolismo, violência doméstica, síndrome do pânico, esquizofrenia, bissexualismo; a velhice, a solidão; o “fim da inocência”; o fim do mundo...). Se tivesse optado por um tom mais seco, solene, ou jornalístico, talvez a leitura do livro se tornasse insuportável. Não que este tipo de narrativa não renda boa literatura, pelo contrário. (E J. M. Coeetze é o nome que me vem com mais força à memória como exemplo de grande escritor sisudo.) O importante é que o estilo adotado seja coerente com o teor da narrativa.
Um livro que acabo de ler e que está cheio de “coerência narrativa” é Fun Home – Uma Tragicomédia em Família, romance gráfico da americana Alison Bechdel, que descreve o conturbado relacionamento da autora com o pai, e os prazeres e dissabores de se crescer num lar disfuncional.
Fun Home é a primeira graphic novel que leio, uma agradabilíssima surpresa. Impossível não se emocionar com o texto e os traços criados por Bechdel, alguém que soube se utilizar brilhantemente de duas linguagens complementares para contar uma história tão íntima, delicada, triste, e divertida. Ou seja, uma história universal.
sábado, 21 de novembro de 2009
A Resposta
E como o escritor houvesse respondido a todas as suas perguntas de modo lacônico até então, expelindo ásperos monossílabos que lhe feriam não só os ouvidos como também a auto-estima, a jovem jornalista não acreditou que uma última questão pudesse salvar a entrevista.
Antes de decidir-se a formular uma derradeira pergunta, ajeitou-se uma vez mais no sofá do escritório. Um sofá macio de dois assentos, coberto com uma manta verde-água que cheirava a livros e cachorros velhos. O escritor estava sentado numa cadeira de alumínio estofada e reclinável a pouco mais de um metro e meio de si. Ela precisava inclinar ligeiramente a cabeça para o alto a fim de encará-lo nos olhos, uma vez que ele se encontrava num patamar cerca de trinta centímetros acima do seu.
O senhor disse uma vez que não acredita na escrita como fruto de uma necessidade. O que o incita a escrever? Por que o senhor escreve?
O escritor descruzou as pernas e pousou languidamente os braços longos e flácidos sobre elas. O mal-estar que não se esforçara por ocultar durante toda a conversa tornava ainda mais fundos os vincos que lhe sulcavam a face septuagenária. Abriu a boca de finos lábios arroxeados e ensaiou um preâmbulo que não passou de muxoxos e outros sons ininteligíveis. Alguns segundos depois, ele ditou a resposta:
Eu escrevo para aliviar a dor dos reumáticos e dos cancerosos. De todos os que sofrem enfim, nesta terra onde os homens vivem a gemer*. Escrevo para que os bons ressuscitem e os maus padeçam. Escrevo para desbastar as almas torvas, aguar os sítios áridos. Eu escrevo para fazer dormir os insones e despertar os letárgicos. Para que haja entendimento entre os povos. Justiça. Fraternidade. Solidariedade entre os homens. Escrevo para aplacar o ímpeto dos suicidas, a aflição dos solitários e a ansiedade dos compulsivos. Eu escrevo para que as crianças cresçam saudáveis e os velhos retornem à terra com o mínimo de angústia e o máximo de entendimento. Para que nenhuma espécie ou ecossistema se extinga. Para impedir as queimadas. Deter as pequenas tragédias cotidianas. Escrevo para conter o derretimento das calotas polares. E para que as tartarugas retornem à praia onde um dia eclodiram do ovo com o fito de depositar outros ovos. Eu escrevo para amplificar o clamor dos oprimidos e abafar os desmandos dos tiranos. Para evitar colisões aéreas. Para consolar os pais que enterram os filhos e os filhos que velam os pais. Para que os campos floresçam e os arsenais nucleares mingúem. Eu escrevo para expiar a culpa dos arrependidos e disseminar o perdão. Escrevo para. Eu escrevo...
Deteve-se abruptamente, como se suas cordas vocais houvessem se rompido. A frase morreu insipiente. Os olhos bastos quedaram-se fixos num ponto inexistente, parecia que a alma tinha-se esvaído do corpo por uma fresta escusa qualquer.
Sensibilizada – talvez essa não seja a palavra correta – com o destempero do velho romancista, a inexperiente repórter, incapaz de sacá-lo do estado de torpor em que mergulhara, juntou seus pertences – um bloco de notas, uma esferográfica, gravador, e o último romance do mestre que saíra por uma pequena editora em tiragem ainda menor -, levantou, não sem alguma dificuldade, do sofá, agradeceu pela atenção e caminhou na direção da porta.
Antes de deixar o escritório, a jornalista não pôde se furtar a dar uma última olhada para trás. A figura tétrica continuava na mesma posição em que ela a abandonara, a mesma efígie insondável. Saiu e ato contínuo fechou a porta quase bruscamente. Quando ganhou o saguão do edifício, pensou em retroagir e tentar insuflar algum ânimo ao velho romancista, mas preferiu confortar-se com a idéia de que ele voltara a escrever tão logo ela fechou a porta.
domingo, 15 de novembro de 2009
Algumas literárias I
Austerlitz – Não sei que palavras usar para qualificar esse romance do escritor alemão W.G. Sebald. Fantástico, extraordinário, fabuloso, magistral – nenhum desses adjetivos define com justeza a obra de Sebald, e simplesmente dizer que se trata de uma obra-prima não ajuda a dar a dimensão da sua importância. Talvez o mais coerente seja afirmar que Austerlitz, com sua mistura de ficção, ensaio e memória, seja um livro inclassificável. Suas frases longas e sinuosas, de uma exatidão acadêmica, mas sempre repletas de cores, cheiros, sensações, nos transportam para um universo muito particular, causam uma espécie de suspensão do tempo real, e durante a leitura, o que não diz respeito a essa dimensão estanque se nos afigura irrelevante. Também as fotos que ilustram o livro nos causam grande arrebatamento, pois estão de tal modo relacionadas a esse mundo próprio no qual estamos mergulhados, que é como se emergissem de nossa própria consciência. E do que trata o romance, afinal? Grosso modo, Austerliz narra a história de um professor de arquitetura, Jacques Austerlitz, homem culto e viajado, cuja trajetória de vida foi brutalmente alterada pelo Holocausto. O narrador em primeira pessoa é um viajante que encontra o professor Austerlitz por acaso, numa estação ferroviária em Antuérpia, na década de 60, e se encanta pelos depoimentos que ouve dessa rica personagem com quem volta a se encontrar algumas vezes.
Quem tiver interesse em obter mais informações sobre a vida e a obra de W.G. Sebald, pode começar lendo este excelente texto escrito por Almir de Freitas para a revista Bravo.
sábado, 24 de outubro de 2009
Meninos Incompreendidos
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Angústia II
Os ratos que infestam a casa de Luis da Silva “mijam na literatura”; Marina faz a higiene no banheiro do quintal, dá uma “mijada sonora.”A poesia em Angústia é de origem orgânica: cheiros, feições e fluidos são evocados ao longo de todo o romance, compondo uma atmosfera poética única em nossa literatura, que talvez só encontre paralelo em algumas obras de Aloísio Azevedo, como O Cortiço.
Luis da Silva se ufana intimamente de sua erudição, mas nunca a alardeia. Tanto o repugnam as pessoas que desprezam a educação e a cultura quanto os beletristas, os parnasianos e seus preciosismos. É inclemente com os livros ruins e seus autores, tal qual Graciliano tinha fama de ser. Aliás, é fácil, e por isso mesmo perigoso e inapropriado, identificar semelhanças entre autor e personagem. Como todo grande ficcionista, Graciliano Ramos certamente deve ter emprestado muito de si a Luis da Silva. Vícios e qualidades do mestre devem ter sido empregados na construção dessa personagem tão complexa e fascinante que é Luis da Silva, alguém com quem nos identificamos por ser, em certa medida, parecido com todos nós.