segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A solidão do blogueiro

O post anterior foi motivado pela leitura da entrevista que o poeta e cronista gaúcho Fabrício Carpinejar concedeu ao Paiol Literário deste mês.

O trecho da entrevista, reproduzido abaixo, descreve à perfeição a angústia do blogueiro iniciante:

"O blog é difícil porque, ali, tu tem que saber exercitar e administrar tua solidão. Tem gente que não suporta blog, porque até tu conseguir engatar um é difícil. Imagine: tu faz um blog e ninguém responde. Tu pensa que vai fazer um blog e todo mundo vai entrar lá. Que agora tu vai ser conhecido. Agora vai ser consagrado. E ninguém entra. Fica aquele contador parado. E, daí, tu começa a ter alucinações. Começa mesmo. Encontra o primeiro comentário do teu blog e vê que é da tua mãe. "Ah, muito bonito o teu blog, continue assim". Até tua mãe já notou que ninguém lê o teu blog, é por isso que ela entrou. E, de repente, tu percebe que até tua mãe cansou de ir ao teu blog. E tu começa a ser laranja. Tu passa a deixar comentários no teu blog como se fossem de outro. E o pior de tudo: tu começa a responder a esses comentários. Tu começa a responder aos e-mails falsos."

Carpinejar, que se autodenomina a "drag queen da poesia brasileira", dispara várias pérolas durante a entrevista. Seguem algumas:

Literatura

"A literatura é contágio. É uma forma de organizar sua vida. É uma forma higiênica de lidar com a imaginação, de lidar com a memória, de filtrar os fatos."

"Se tu vai ler um poema e a outra pessoa fala "ai, que bonito", saiba que ela não gostou daquilo. Se um poema provoca uma resposta rápida numa pessoa, significa que ela não está nem aí para ele. Porque o poema produz silêncio. Eu sei que um poema é bom pela extensão do silêncio de quem o lê."

Família

"Acho que há tanta desagregação familiar porque as famílias não almoçam nem jantam juntas. É tão importante olhar para o outro, encarar o outro, saber decifrar esse silêncio, essa soletração. É muito fácil saber se alguém está fingindo ou não, se alguém está enganando a sua emoção ou não, quando jantamos e almoçamos com ele. Porque a fome traz uma honestidade que nenhum outro momento traz."

"... a gente parte do princípio de que, se temos algum problema, precisamos ter um psicólogo. Se a gente tem um problema com o filho, tem que colocar o filho no psicólogo. Se a gente tem um problema no casamento, a gente tem que fazer terapia de casal. A gente não fala em casa, na família. A psicologia está substituindo as amizades, de certa forma. Mas os psicólogos não vão conseguir dar conta de toda essa demanda. (...) Como a gente está condicionado a ir ao consultório, a gente fala, fala, fala, fala e não sabe mais ouvir. Em casa, a gente não está mais ouvindo. Por isso é que eu fiz as unhas. Eu não entendia por que minha mulher ia à manicure e voltava mais alegre. Eu pensava que ela tinha um caso com a manicure. Daí, comecei a fazer as unhas e comecei a voltar mais alegre de lá. E minha mulher pensou que eu tinha um caso com a manicure. Mas a manicure fazia a única coisa que eu não fazia: ouvir. Ouvir até o fim. Ouvir sem julgamento, sem sentença. É isso que nos falta: ouvir. Ouvir uma pessoa até o fim."

Quem quiser ler a entrevista na íntegra e/ou saber mais sobre o Paiol Literário, clique aqui.

Para encerrar, deixo um (belo) poema do Fabrício:

Reserva de chuvas

Fabrício Carpinejar

Na escola, zombaram de minha pronúncia torta,
ameaçaram-me com canivetes no recreio.
Assisti a covardia crescer, aquietado no fundo da sala.
Durante anos, contive o veludo áspero da pata,
a soleira da pata, a vogal da pata.
Preparei a vingança pelas palavras.

Roubei o dízimo, enrolei o papel seda
dos versículos para fumar tuas promessas.
Pisei em teu rosto com a luz suja de um livro.
A neblina me perseguiu enfurecida
e não viu que estava nela.

Peço desculpas como uma criança,
as mãos algemadas
na inocência nociva.

Como enganar os gestos?
Minha vontade de abraçar
esgana.

Todos meus erros descendem do excesso,
não da penúria.

Deus, será que tua água
vem da sede do homem?
Será que nossa sede é potável?

As diferenças nos assemelham,
o único vizinho do mar é o abismo.
Estou extremamente perto
e morro distante.
Mora numa morte emprestada.

Cerca-me da cegueira,
tal relâmpago que acende o bosque
para as aves pousarem nele.

Cerca-me da cegueira,
desapegando do que não vi.

Cerca-me da cegueira,
a fidelidade do vento é testada no naufrágio.
Cerca-me da cegueira,
como uma fruta apanhada com os dentes.

Cega-me.
Meu desespero fracassou
ao passar a noite em claro.
Fez amizade com as sombras.

(Do livro "Biografia de uma árvore", 2002.)

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