quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Espólio da Palavra




Eu temo a folha em branco. Tenho medo ainda da folha preenchida. E de toda espécie de febre antagônica. A criatividade dividindo espaço com meu desejo bipartido, sem jamais ceder aos encantos do suicídio. Uma vergonha insidiosa e divinatória. Apesar do olhar de repulsa do homem mal-encarado. Pó-de-arroz e argila na composição das máscaras para o grande espetáculo. Vez ou outra há excesso de suco gástrico corroendo as palavras incipientes. Cabedais de pecado vendidos na feira livre. Homologação dos sacrifícios por parte dos juízes do abstrato. Colorações imaginativas de pele de meninas caiçaras. Pássaros voando janela afora sob a observação de felinos fatigados pelo ócio. Nevoeiro sobre as páginas amareladas de diários não-escritos. Sapos lambendo orelhas de bebês inocentes. Procissão de moribundos em graça a Nossa Senhora do Desalento. Fígados de coelhos temperados com coentro e lama. Vociferações a respeito do atropelamento na esquina. Cartilagens artificiais encobrindo os ossos. Poeira de ferro cegando as moscas. Congresso de padres reivindicando o direito ao matrimônio. Homenzarrões fornidos de músculos e versos. Crimes cometidos por deuses remanescentes do holocausto da escrita. Senhoras solteiras à beira da razão. Loucos astronautas de espaços mal arquitetados. Filhos híbridos de deduções metafísicas. Conversão de dinheiro em sangue. Dedicatórias de velhos escritores em nome das vanguardas. Céu em chamas sem fumaça nem anjos decaídos. Falência múltipla dos sonhos.

29/05/2005

2 comentários:

  1. Muito Bom, Bruno
    O texto é sôfrego, poético. Tua escrita é densa.
    Vai nessa que o caos é o caminho.

    Abraços

    Ronaldo Trindade

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  2. Obrigado, Ronaldo!

    Bom saber que meus textos encontraram um leitor inteligente que sabe apreciá-los.

    Abração!

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