sábado, 21 de fevereiro de 2009

Pot-pourri carnavalesco

Um crime lesa-assalariado

Será que sou o único que se aborrece ao ver funcionários de redes de lanchonetes e lojas de departamentos exibindo petrechos e alegorias em datas como Natal, Carnaval e Páscoa? Corta meu coração ver os pobres coitados vestindo fantasias e enfeites ridículos, ultrajantes. E não venham me dizer que essas pessoas levam tudo na brincadeira! Eles se submetem a isso porque precisam do emprego, da grana, obviamente; pode até ser que eventualmente se divirtam, entrem na dança, por assim dizer. Mas continuo achando isso triste - e sem graça. Por que os funcionários do alto escalão não se fantasiam e macaqueiam durante seu turno de trabalho? Quero ver essa gente com gorro de Papai Noel, peruca colorida, maquiagem de coelhinho da Páscoa e o escambau. Ou será que só quem ganha em torno de seiscentos merréis (meu falecido avô materno dizia assim, merréis, corruptela de mil réis, cousa das antigas enfim) por mês tem o condão de se emperiquitar e sorrir com benevolência para a clientela?

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Dicas

Um filme assaz mediano para o feriadão:

Batman - O Cavaleiro das Trevas

Um "baile de máscaras" repleto de ação, diálogos mais ou menos tediosos e truques ordinários de roteiro. Não recomendado para crianças - foi essa a impressão que tive quando assisti ao filme. Embora a atuação (triste, muito triste) do falecido Heat Ledger seja notável - porque divertida e assustadora ao mesmo tempo -, há um clima de sordidez e violência que perpassa a maioria das cenas, além de a performance de Christian Bale anular qualquer possibilidade de identificação do expectador com o homem-morcego.

Um filme para se evitar no feriadão:

Última Parada - 174

O diretor Bruno Barreto levou às telas a trajetória de Sandro do Nascimento, o seqüestrador carioca que, no dia 12 de junho de 2000, manteve um grupo de pessoas refém dentro de um ônibus por várias horas, na cidade do Rio de Janeiro. A tragédia resultou na morte de uma jovem (Geisa Gonçalves) e do próprio Sandro, sufocado pelos policiais no interior de um camburão.

Dois ótimos filmes para qualquer época:

Os Donos da Noite

O diretor James Gray (Caminho Sem Volta) realizou não apenas um grande filme policial, mas também um drama profundo e contundente sobre amor fraterno, lealdade, e vingança.

E Superbad - É Hoje

Considerado (erroneamente) por muitos como mais uma comédia adolescente marcada pelo besteirol hollywoodiano, este filme é, sobretudo, um belo elogio da amizade.

Ainda que possam desagradar a algumas pessoas, as piadas e situações cômicas do filme estão todas muito bem contextualizas dentro do roteiro. É o que ocorre também em outra boa comédia dos mesmos criadores desta, Ligeiramente Grávidos - embora neste último haja três ou quatro piadinhas de mau gosto bastante dispensáveis. Se rimos de algumas cenas patéticas e algo grotescas de Superbad, é porque elas nos fazem lembrar de como já fomos ridículos num dado momento da juventude. Não se trata de uma comédia ordinária, em que o único objetivo é levar a platéia ao riso a qualquer custo e o maior número de vezes possível, sem a menor preocupação com a trama, que nesse caso só serve para ligar uma piada a outra, o que também se aplica aos filmes pornôs, se substituirmos as piadas pelas transas. Aqui, as gags estão a serviço do roteiro, e não o contrário.

Superbad traz um velho tema (a passagem da adolescência para a idade adulta) com um novo tratamento, mais sensível e inteligente.

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Encerrando as dicas, um livro como contraponto à novela Caminho das índias:

O Tigre Branco, de Aravind Adiga.

Sinopse: Um empresário indiano escreve uma carta para o primeiro-ministro chinês tentando explicar o espírito empreendedor de seu país citando seu próprio exemplo.

Um romance criativo e provocador, que deu ao autor indiano o Man Booker Prize, principal prêmio literário europeu para obras de língua inglesa.

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Vamos acabar com o samba?

Em agosto do ano passado, o cantor João Gilberto fez duas apresentações no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo. Qualquer pessoa que não estava fora do Brasil na semana dos shows se lembra da cobertura grandiosa e deliberadamente entusiasmada que os cadernos de cultura fizeram dos eventos. Fazia cinco anos que o músico baiano não se apresentava na capital paulista. Em comemoração aos 50 anos da bossa nova, João cedeu à insistência de fãs e amigos que queriam vê-lo no palco outra vez. Foi um acontecimento. E por um bom tempo não se falou de outra coisa na imprensa especializada.

Por incrível que pareça, João Gilberto não é unanimidade. À época das apresentações houve quem desse declarações inflamadas e publicasse artigos de repúdio à enorme cobertura dos shows pela mídia. Lembro particularmente da indignação do cantor Agnaldo Timóteo, que, em entrevista a uma rádio carioca, disse: “João Gilberto não canta, não interage, não sorri”, desafiando nossa sociedade hipócrita (sic) a listar as contribuições de João à música brasileira nos últimos cinqüenta anos. Timóteo afirmou ainda que ele sim é um talento raríssimo da MPB.

Outro que manifestou seu desprezo por João Gilberto foi o roqueiro e apresentador de tevê Lobão. Durante um debate num festival literário em Ouro Preto, ele disse ter menosprezado João quando este lhe pediu uma opinião acerca de sua versão para o hit Me Chama, sucesso na voz de Lobão.

É natural que não haja consenso em torno da figura de João Gilberto. Eu desconfio dos que o veneram tanto quanto dos que o tratam com menoscabo. Gosto de algumas canções gravadas por ele e admiro sua vocação para a repetição. Os artistas que se debruçam sobre um mesmo tema, aplicando pequenas e sutis variações a cada nova criação, me fascinam. E João Gilberto é um intérprete desse naipe.

O samba, gênero ao qual João se dedicou amiúde, também nunca foi unanimidade no Brasil. E junto com ele o carnaval. Há quem considere o carnaval uma farra para alienados. Se a religião é o ópio do povo, o carnaval e o futebol são o circo. Pão e circo são indispensáveis para se manter o povo no cabresto, apregoavam os senadores romanos. Mas tachar o carnaval dessa maneira é incorrer em reducionismo. É diminuir a importância de um conjunto de manifestações artísticas que fazem parte da cultura nacional.

Nem tudo nesta festa popular são flores. Mas dizer que o carnaval não passa de uma farra de tolos é um equívoco.

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