sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O homem está condenado a ser livro

(mais um texto da série eu já fui mais romântico - ou piegas?)

Para os amigos Bianca e Alexandre

Acaba de acontecer algo no mínimo curioso. Estava eu transcrevendo aquela máxima de Jean-Paul-Sartre que diz “o homem está condenado a ser livre”, e quando notei havia escrito do modo como está aqui em cima. Vejam bem: condenado a ser livro. Mais uma vez sou surpreendido pelo acaso. O que me induziu ao “erro” pode ter sido simplesmente uma distração no digitar; todavia existe a possibilidade do ato falho.

Não convém ficar refletindo sobre o fator gerador do equívoco. Afinal as possibilidades são muitas. Entre o ter tido a idéia de digitar a frase acima e ter realizado o ato em si, pouco tempo se passou. E acredito que, nesse ínterim, muitos fatores e forças ocultos à minha vontade contribuíram para que essa pequena mágica fosse possível. Agora é desfrutar desse momento de glória. Sorver esse caldo bom até a sua última gota. E acreditar que o extraordinário pode, sim, pôr abaixo a tranqüilidade de um ato aparentemente corriqueiro.

Ao apostarmos nossas fichas num jogo qualquer, nós corremos o risco de colocarmos tudo a perder. Somos responsáveis por nossos próprios atos. E isso amedronta alguns e alivia outros. Cada passo dado. Cada gesto. Cada palavra. Sofremos as conseqüências de cada movimento nosso, e até mesmo de cada pensamento.

Eu, por exemplo, me arrisquei ao tomar a iniciativa de digitar aqui a frase de Sartre. Poderia ter ficado angustiado por não conseguir pensar em nada para escrever depois. Ou poderia ter descoberto - como o garoto que, já crescido, descobre que super-heróis não existem - que a frase simplesmente não me dizia nada. Que era vazia. Carente de significado. Mais ainda assim fui adiante. Encarei esse desafio mesmo sabendo de seus desdobramentos possíveis. E cá estou eu, mais uma vez, alumbrado pela descoberta da força das palavras. E do quanto os homens somos capazes de nos renovar por meio delas.

Posto isto, vale dizer que acredito na renovação da vida tal qual na renovação da linguagem. E que o aprimoramento da linguagem pode resultar na oxigenação da vida. Uma vez que a expressão é o meio que o homem utiliza para se posicionar em relação ao outro, bem como para tornar mais aguda sua percepção do mundo.

E não me surpreende, pelo contrário, me anima, o fato de a humanidade estar retomando pouco a pouco o contato com a palavra escrita, que há muito havia se perdido. O mundo hoje é paradoxalmente mais, por assim dizer, literário. Ao contrário do que muitos imaginavam, o advento do audiovisual não pôs fim a nossa rica tradição literária. O que ocorreu na verdade foi uma mudança no veículo de transmissão, tanto do discurso falado quanto do oral. Outra vez nos adequamos a um novo cenário mundial e mantivemos vivo o que de melhor conquistamos ao longo de nossa existência. E é justamente por isso que não podemos subestimar a força da palavra – que é capaz de nos prover maravilhas no campo das humanidades, mas que também pode ser instrumento de terror e destruição, pois o coração do homem é ao mesmo tempo claro e escuro.

E eis que, sem menos esperar, a palavra escolhida nos fere de morte. Fere de morte o médico e o poeta; a mãe e a criança. E no entanto brilha, espalhando seu poder de encantamento. Nos levando num segundo de um porto a outro, muitas vezes por mares agitados. Causando fascinação e náusea. Trazendo à superfície o homem e o que é do homem, mesmo que para isso seja ela própria sua genitora; macho e fêmea. Mesmo que para tanto tenha de sofrer no parto, muitas vezes fazendo sua própria cesariana.

07/09/2005

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