terça-feira, 24 de março de 2009

Para o alto com Machado de Assis, Kafka, e Antonio Carlos Villaça

Eu não sou somente a vida; sou também a morte, e tu estás prestes a devolver-me o que te emprestei. Grande lascivo, espera-te a voluptuosidade do nada...

Que multidão de dependências na vida! Umas coisas nascem das outras, enroscam-se, desatam-se, confundem-se, perdem-se e o tempo vai andando sem se perder a si mesmo.

Ai, ai, ai, deste último homem, está morrendo e ainda sonha com a vida. Nem ele a odiou tanto, senão porque a amava muito.
(Machado de Assis)

Comecei a ler Machado de Assis. O choque foi muito sério: eu vinha do sublime ou das sublimidades, e de repente, “não mais que de repente”, como em Vinícius, me lançava na aventura da incorporação do cotidiano à vida cultural, descobria a possibilidade de fazer arte, criar, com elementos prosaicos, com a vida simples. Descobri o valor da vida simples. A existência das entrelinhas. A força da ambigüidade. Em Machado, encontrei pela primeira vez, aos dezesseis, dezessete, o turvo, o obscuro, o confuso, a sombra, o lado trágico dos seres. (...) Machado foi um dos reveladores da miséria humana ao meu coração de menino.

A vida escapava-me. Eis o que precisamente sentia: escapar-me a vida. Eu tinha medo. Medo de quê? De não me encontrar, de ser traído pelo destino.

Refugiei-me nas leituras. Recolhi-me a meu mundo interior, como a personagem de A Metamorfose, de Kafka. É verdade: quando li a descrição kafkiana, eu me disse com angústia – este homem sou eu. Encontrava-me nele perfeitamente.

(Antonio Carlos Villaça in O Nariz do Morto)

2 comentários:

  1. tem certas coisas que a gente nem saberia o que comentar, de tão perfeitinhas. e essa é uma delas. Tem outras, que a gente seria doido se apenas lesse e caísse fora, sem deixar um comentario. e essa é uma delas, também. obrigada.

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  2. Obrigado pela visita e pelo comentário, Clarisse.

    Abraço.E volte sempre.

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