domingo, 3 de maio de 2009

Ao vencedor, as batatas

"Em todo caso, havia um só tunel: escuro e solitátio - o meu."
Ernesto Sábato / O túnel

Quando eu era garoto, acreditava que tudo correria bem no futuro desde que eu seguisse os passos que traçava com base no que as pessoas me haviam dito que era bom, justo, promissor. Bastaria continuar a me dedicar aos estudos, a respeitar meus pais, e a me alimentar corretamente. Seguindo esta receita tão básica, o início da minha vida adulta seria tranqüilo, cheio mesmo dessa substância, desse hormônio tão almejado que chamam de felicidade. Eu me formaria numa boa faculdade, arranjaria um ótimo emprego, conheceria uma mulher incrível, e constituiria uma família exemplar num lar aconchegante, desses para o qual a gente tem vontade de voltar correndo depois de um longo e exaustivo dia de trabalho.

Desnecessário dizer que nada disso aconteceu. Minha "vida adulta", se é que ela já começou, é um verdadeiro desastre. Por que estou falando disso? Não estou chorando o leite derramado não - longe de mim! É que dois filmes que vi esta semana me fizeram refletir sobre minha condição, e sobre o quão ingênuo eu fui acreditando que, caso eu me engajasse num projeto de "vida feliz", tudo correria às mil maravilhas. A propósito, os filmes que suscitaram estas ponderações são Clamor do Sexo, do Elia Kazan, e Mundo Livre, do Ken Loach. Basicamente, a única coisa que têm em comum, além de serem ótimos filmes, é a desesperança, precedida de desespero, que assola as personagens - jovens que um dia acreditaram que seriam vitoriosos na vida profissional e no amor, dois dos aspectos mais relevantes na medição do grau de felicidade de uma pessoa - num dado momento de suas vidas.

É assustador (e ridículo também) pensar que, após ter amargado várias derrotas, passei a apostar as fichas que me restavam num único livro. Um livro do qual ora me orgulho, ora me envergonho. Algumas dezenas de páginas de alto teor autobiográfico, escritas ao longo de dois anos. Tão pouco que, quando segurei o maço de folhas da última versão do romance pela primeira vez, pensei que ele fosse se esfarelar nas minhas mãos. Eu sentia (e ainda sinto) o bafo ácido de deboche que muita gente me dirigia. E não tinham razão? O que um filho da classe trabalhadora tinha de se meter em literatura - arte praticada pela elite; ofício de gênios, loucos, veados, vagabundos? Por que não arruma emprego na indústria como o pai? Por que não age como todo jovem de bem e arranja um emprego qualquer? Mas eu procurei - e muito! - emprego. Acontece que fracassei. Não fui competente o bastante. Não me deram oportunidade. Não tive sorte. E os concursos públicos? Não tive êxito; não estudei o suficiente; não prestei os concursos certos. Nada de batatas para mim, portanto. A literatura? Todos nós sabemos que nunca deu dinheiro. Conta-se nos dedos os privilegiados que vivem disso; os beste-sellers. Imagine: um rapazinho tímido e esquisito do interior do estado de SP, metido a escritor, e que, pasmem!, esperava que a literatura pudesse lhe abrir portas, ao menos dar-lhe um meio de subsistência, devolver-lhe a dignidade perdida... Um ingênuo! Um idiota! Um desesperado, sobretudo.
***
Impossível não lembrar de O Náufrago, estupendo romance de Tomaz Bernhard.

2 comentários:

  1. ah que bom este sábato.

    preciso ver filme.

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  2. "O Túnel" é ótimo. Esses argentinos dominam o ofício. No futebol podemos até ser melhores, já na literatura...

    Abraço.

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