quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A juventude do artista

O problema dele é que não está preparado para fracassar. Quer um A ou um alfa ou cem por cento em todas as tentativas, e um grande Excelente! na margem. Ridículo! Infantil! Ninguém precisa lhe dizer isso: pode ver por si próprio. Mesmo assim. Mesmo assim não pode agir. Não hoje. Talvez amanhã. Talvez amanha tenha vontade, tenha coragem.

Se fosse uma pessoa mais cálida, sem dúvida acharia tudo mais fácil: a vida, o amor, a poesia. Mas não há calor em sua natureza. E não é o calor que leva a escrever poesia. Rimbaud não era cálido. Baudelaire não era cálido. Quente, sim, mas era preciso – quente na vida, quente no amor -, mas não cálido. Ele também é capaz de ser quente, não deixou de acreditar nisso. Mas no momento, no momento indefinido, ele é frio: frio, congelado.

E qual o desfecho dessa falta de calor, dessa falta de coração? O desfecho é que está sentado sozinho na tarde de domingo no quarto de cima de uma casa no fundo do campo de Berkshire, com corvos crocitando no campo e uma névoa cinzenta no céu, jogando xadrez sozinho, ficando velho, esperando a noite cair para, sem nenhuma culpa, fritar suas lingüiças para comer com pão no jantar. Aos dezoito anos, podia ter sido um poeta. Agora não é um poeta, nem um escritor, nem um artista. É um programador de computador, um programador de computador de vinte e quatro anos num mundo em que não existe programadores de computador de trinta anos. Trinta é velho demais para ser programador; a pessoa se volta para alguma outra coisa – algum tipo de empresariado – ou se mata. Só porque é jovem, porque os neurônios em seu cérebro ainda estão disparando mais ou menos infalivelmente, é que tem um pé na indústria de computadores britânica, na sociedade britânica, na Grã-bretanha em si. Ele e Ganapathy são dois lados da mesma moeda: Ganapathy morrendo de fome não porque está separado da Mãe Índia, mas porque não come direito, porque apesar de seu mestrado em ciência da computação não sabe nada sobre vitaminas, minerais e aminoácidos; e se trancou num fim de jogo debilitador, jogando consigo mesmo, a cada lance mais encurralado, mais derrotado. Um dia desses, os homens da ambulância terão de ir ao apartamento de Ganapathy e tirá-lo de lá numa maca com um cobertor em cima da cara. Depois de levar Ganapathy, podiam vir buscá-lo também.


Trecho final do romance Juventude, de J. M. Coetzee.

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