terça-feira, 4 de maio de 2010

Escrever: velhos esboços

Encontrei essas notas avulsas em velhas cadernetas e resolvi publicá-las aqui. Com exceção de um ou outro pensamento tolo, e de algumas platitudes dispensáveis, não me envergonho dessas linhas. Elas são um testemunho da minha “adolescência estrangulada”, e um prelúdio do que seria o início da minha vida adulta.

“Escrevo. E ao fazê-lo é como se reconstituísse os filamentos de meu coração doente”.
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“O ato de escrever é essencialmente um ato solitário, e isso, de certo modo, agride as pessoas. Não as culpo. Pelo contrário. Encaro sua hostilidade com ares de resignação. Afinal de contas, ninguém é obrigado a aceitar a loucura dos outros. Eu mesmo às vezes me pego olhando para uma atividade alheia de modo preconceituoso, sem que a pessoa em questão tenha feito algo de ruim para me atingir. Portanto não posso ser agressivo com quem não suporta me ver escrevendo. Escrever é nadar contra a maré, e quando se nada contra a maré, há sempre alguém disposto a nos fazer voltar atrás – a impedir que nos afoguemos”.

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“Hoje, enquanto esperava pela chegada de pães frescos no supermercado, pensei em como não sou uma pessoa difícil, mas como também não sou fácil. Sou raso de tão profundo. É isso! Ou melhor: De tão profundo, chego a ser raso. Sei lá! Dá na mesma! Tudo o que eu escrever aqui deporá contra mim mais tarde. Portanto tenho de tomar cuidado. Mas não pretendo bancar o covarde. Minha cabeça funciona sem parar – a mil por hora, para empregar um clichê. (Vou fechar a janela porque os pernilongos estão invadindo o quarto.) Pronto. Eu dizia que sou raso de tão profundo, e que meus pensamentos me obsedam. Principalmente meu medo da morte. A sensação de que a morte me cerca causa-me pavor. Vou usar de outro chavão gigantesco: Sou jovem demais pra morrer velho. Ou seria o contrário? E escrever? Escrever é viver, ou é uma maneira bem estúpida de fugir à vida? Eu sinceramente não sei. Só sei que preciso me manter atento, para não me calar de uma vez por todas. Isso seria muito ruim. Também preciso cuidar para não me viciar em diários. Diários me assustam. Diários me parecem invariavelmente um ato desesperado. Morte aos diários!”
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“Tenho escrito algumas linhas bobocas no computador e esporadicamente a lápis, em papéis avulsos. Ora delas resultam contos, ora lamentos quase insuportáveis, de tão melancólicos. Alguns escritos eu tenho preservado para análise posterior, as quais me permitirão saber se de fato o que escrevi é aproveitável ou simplesmente um lixo completo. Se bem que até hoje não possuo juízo formado sobre contos que escrevi há três, quatro anos atrás. (Aliás, a expressão “há tantos anos atrás” me parece caracterizar um pleonasmo, mas uso-a assim mesmo, pois às vezes ela se faz necessária para dar ênfase à passagem do tempo).

Encher uma página de palavras sempre me dá prazer, ainda que o texto seja uma porcaria. Esse vício, contudo, é extremamente prejudicial a qualquer pessoa que queira escrever bem, pois ajuda a tornar o redator mais relapso e, conseqüentemente, menos criterioso com seus próprios escritos.

Eu também já escrevi em outro lugar que a pior parte do trabalho de um escritor é reler o que escreveu. Isso pode destruir carreiras se o sujeito não possuir o mínimo de jogo de cintura. Tenho feito o seguinte: procuro não ler um texto imediatamente após sua composição, para me preservar de uma eventual “depressão pós-parto”. Isso geralmente funciona, a não ser que o texto seja deveras ruim. Então só volto a minha cria horas, dias, ou semanas depois, sempre lutando contra um impulso natural de querer retomar o fruto engendrado o mais rápido possível. Essa luta é também contra minha ansiedade crônica, que me prejudica até quando estou em pleno processo criativo. Levando isso em conta, acredito que a ansiedade não me auxilia em absolutamente nada, muito menos quando estou compondo um texto literário - ao contrário do que afirmei em um de meus relatos de há não muitos dias”.

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“Clarisse Lispector dizia que nunca relia seus textos depois de prontos, pois quando o fazia sempre sentia nojo; nunca achava que estava bom. Mas eu não sou Clarisse Lispector. Não há comparação possível. Clarisse era um talento nato e irrefreável. Por mais que lhe colocassem amarras, ela continuava a criar maravilhosamente. Já eu duvido do meu talento diariamente. Tenho medo de dar com os burros n’água, e quem tem medo não consegue escrever – a própria Clarisse repetia isso aos jovens escritores que lhe pediam uma opinião a respeito do trabalho deles. Com medo não há literatura. Literatura alguma brota no campo infértil do medo. É preciso libertar-se dos próprios medos e limitações de quaisquer espécies para poder fazer boa literatura. E eu não sei se estou preparado para isso. Escrever sobre a incapacidade de escrever também não me interessa. Muitos grandes autores já o fizeram com maestria. John Fante, com “Pergunte ao Pó”, e Fernando Sabino, com “O Encontro Marcado”, para citar dois exemplos totalmente díspares. Se bem que boa parte da Literatura é composta de reiteração, de releituras e de intertextualidade. Enfim, Literatura é conhecimento ao contrário – é chão repisado sem propósito”.

2 comentários:

  1. ler a si próprio as vezes constrange, sim...mas o q li aqui é legal...

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  2. Obrigado pela visita e pelo elogio, Adriana.

    Volte sempre!

    Um abraço.

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