quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Um desejo de morte ou de dor

Continuamos a caminhar. (...) Retomamos o caminho. Até quando? Os homens vão morrendo a nossa lado. Breve, morreremos nós também, sem termos feito o que foi sonho em nós, ou fantasia. A vida é assim. Temos de vivê-la, é nosso ofício provisório. Um dia, sem que saibamos por que nem como, talvez pingue de nós, obscuramente, ao caminharmos à noite, o começo de uma longa história.

Antonio Carlos Villaça / O Nariz do Morto

Eu me olhava no espelho e perguntava: Você quer a vida medíocre? E se você precisar que alguém lhe estenda a mão para atravessar a rua... Bem, é natural que você sinta medo. Acho que sim. Olhar para baixo do alto de um grande edifício ou de um viaduto costuma causar vertigem e ânsia de vômito em quem nunca se encaixou confortavelmente no escaninho que lhe foi legado pelo destino. Você quer a vida medíocre? Para começar a viver de verdade, arrisque dar um passo à frente. Ande – desacreditado ou não – pelo fio dilacerante da absurdidade, e goze, em vez de simplesmente lamentar, o desconforto causado por cada sorriso amarelo. Por que você não cumprimenta ou sequer encara os fantasmas que fazem a ronda noturna nos seus sonhos mais pesados e úmidos? Sinta o desequilíbrio, a angústia e os questionamentos perpétuos que enfraquecem gradativamente seus ossos. Suas mãos estão úmidas e frias, seus pés estão moles e começaram a se esfarelar, sua cabeça lateja e sua boca está dormente. Custa colocar dois ou três substantivos concretos e coloridos neste texto? Você deveria se permitir um cheiro (bom ou ruim, não importa), uma imagem (um homem magro e pálido que usa um chapéu marrom de couro, fuma um cachimbo castanho e perolado, e ri ou chora nervosamente; uma mulher velha e gorda, tintura roxa no cabelo crespo e curto, que sobe ofegante uma ladeira), ou até um toque morno e fugidio de uma criança peralta ou de um animal mais ou menos domesticado. E mesmo se nada existisse. Ou então se tudo o que lhe disseram repetidas vezes, com entonações variadas e alguns falsetes, for verdade. Quando você cair e não puder mais abrir os olhos que já terão escorregado mansamente por um desvão qualquer do mundo... Se você se diluir todo durante a última chuva, se ela aguar seu sangue e torná-lo menos espesso, talvez você finalmente se misture e se confunda com todos os outros seres e as substâncias todas que um dia os homens lograram nomear, e possa, quem sabe, respirar de novo.

Você quer a vida medíocre?

***

Paulinho da Viola conta e canta Lupicínio Rodrigues.

Um comentário:

  1. Obrigada pelo escritora.
    quanto a medicação, ela foi trocada, após doses cavalares de fluoxetina. Ainda não comprei os remédios, estou na suspensão da alma.
    Sabe, aquela esperança: Agora tudo ficará bem.

    Aspas: Ótimo - se podemos assim falar da nossa indignação - o texto acima.

    bjo

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