quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Angústia I

Li Angústia pela primeira vez aos 19 anos. Foi meu primeiro contato com a obra de Graciliano Ramos. Nunca li um livro do mestre alagoano por obrigação; sempre que o fiz foi por prazer e/ou curiosidade. Angústia foi um dos livros que marcaram o início de minha trajetória de leitor. Dizem que Graciliano não gostava muito do romance, que o julgava mal escrito. É difícil saber se isso corresponde à verdade. Não há (muitas?) testemunhas vivas que possam desmentir ou confirmar esse tipo de boato. Além do quê, existem várias lendas em torno da figura desse notável escritor. A de que ele era impiedoso com os jovens romancistas que lhe apresentavam originais ruins talvez seja a mais conhecida delas. Fala-se até que ele chegava ao ponto de rasgar contos ou artigos medíocres na frente do infeliz do autor. Eu sinceramente não acredito nisso. Não acredito que o autor de Memórias do Cárcere e Infância fosse capaz de tal descompostura. E ainda assim já tive pesadelos em que Graciliano, depois de passar os olhos por um escrito qualquer meu, rasgava-o em mil pedaços bem diante de mim.

Reli Angústia recentemente. E o achei extraordinário de novo. Penso que reler um bom livro é um dos maiores prazeres que uma pessoa letrada pode experimentar. Sempre que releio um livro que foi de grande importância para a minha formação, sinto-me remoçado. Há títulos aos quais eu sempre retorno: O Encontro Marcado, do Fernando Sabino, é um deles. Eduardo Mariano, narrador do romance, é um dos meus personagens favoritos da literatura nacional. Luis da Silva, o narrador de Angústia, certamente também figura nessa lista.

Ao contrário do que muitos apregoam, não considero Angústia um romance pessimista. O amargurado Luis da Silva lança quase sempre um olhar compassivo sobre seus semelhantes. Seu ódio é direcionado apenas àqueles que considera vis de alguma forma, como Julião Tavarez, seu antagonista, e Marina, pivô de sua desilusão amorosa. Tal como a maioria dos personagens criados por Graciliano Ramos, Luis da Silva é um ser abrutalhado, que apesar de possuir certo refinamento intelectual – única característica que o distingue de Paulo Honório e Fabiano, respectivos protagonistas de São Bernardo e Vidas Secas, por exemplo - tem sérias dificuldades para se relacionar com as outras pessoas. Todos os seus gestos, até mesmo os mais amistosos, estão carregados de uma violência tipicamente sertaneja, e de uma melancolia comum aos existencialistas. Luis da Silva tem plena consciência de que não passa de “um Luis da Silva qualquer”, ou seja, de que está só no mundo, de que não há nada nem ninguém que o ampare ou governe seu destino, e que portanto está condenado à liberdade.

Marina, a vizinha por quem Luis se apaixona, continua sendo uma mulher sem consciência do quanto sua beleza e sua displicência podem ferir os homens. É a mesma Marina cantada por Dorival Caymmi, que se pinta e se enfeita sem precisar, vulgarizando assim seus belos traços ao invés de realçá-los. Uma das mulheres mais interessantes da nossa literatura, sem dúvida.

Um comentário:

  1. "Onde andarás, nesta tarde vazia?"
    Precisamos de novas palavras, Bruno.
    Das angústias alheias e das tuas.

    Abraços

    Ronaldo Trindade

    ResponderExcluir