domingo, 21 de fevereiro de 2010

Entrevista com o livreiro

O jornal Folha de S. Paulo publicou na edição de hoje uma ótima entrevista com Paulo Herz, dona da Livraria Cultura. Nela, o livreiro discorre, entre outros assuntos, sobre o futuro do livro, o problema da falta de leitores no país, e como a recente crise econômica mundial não afetou seus negócios.

Abaixo, reproduzo algumas declarações de Herz que chamaram minha atenção:

A novidade dos e-readers

“Em março vamos disponibilizar 150 mil títulos em formatos para e-readers. Eu acho que é uma opção a mais para o leitor. Não vamos vender o hardware, só conteúdo.”

O futuro dos e-readers

“Não sei bem, está tudo muito cru, muito no início, e não sei bem como serão as vendas. Acho que bem pequenas.

“Acho o e-reader uma ferramenta fantástica, mas daí a virar o substituto do livro... Já vi esse filme antes, já vi o VHS chegar e dizer que ia acabar com o cinema. Já vi, na Feira de Frankfurt, dizerem que o mundo ia virar CD-ROM, e o mundo não virou CD-ROM. Dois anos depois não se falava nisso, as editoras me falavam: "Pô, perdemos um dinheirão, admitimos um monte de gente e não deu em nada". A sensação que eu tenho é que a gente está vendo uma nuvem, que vai passar. Pode ser que chova, mas, num curto prazo, não vai acontecer nada.”

E-reader x livro de papel

“Imagina um advogado que vai fazer uma audiência no Acre e tem que levar aquela papelada do processo. Um editor de uma grande editora de livros, que recebe 50 livros novos por semana de todo mundo, para resolver se vai publicar ou não, ter isso digitalizado e num voo de 12 horas para a Europa ir dando uma olhada no que interessa ou não. É de uma utilidade fantástica, mas não sei se é a melhor ferramenta para o leitor de livros. E tem outra pergunta que eu faço: fará novos leitores? Quem não lê livro de papel, não vai passar a ler por causa do livro eletrônico.”

A formação de leitores

Acredito que quem faz leitor são os pais, inegavelmente. Os jovens leitores são filhos de leitores. Dificilmente aparece uma criança ou adolescente que não tenha os pais leitores. A grande campanha que na minha opinião deveria ser feita pelo governo é mais ou menos assim: "Se você não lê, como quer que seu filho leia?". Essa é a pergunta que deve ser feita. Porque os meus filhos "liam" sem ser alfabetizados, pegavam o livro na mão para imitar os meus gestos.

O faturamento da livraria

Segundo informações do repórter Fábio Victor, a Livraria Cultura possui atualmente 5 lojas (cinco em São Paulo e as outras em Campinas, Recife, Porto Alegre e Brasília), e pretende inaugurar mais três em 2010: em Salvador, Fortaleza e uma segunda na capital federal.

A rede tem mais de 3 milhões de títulos em catálogo e 1.400 funcionários (serão mais 400 para as três novas lojas). Em 2009, obteve faturamento de R$ 274 milhões, crescimento de 18% em relação a 2008.

“As vendas pela internet representam 16% do faturamento em 2009. É a nossa segunda loja. A primeira é a da Paulista (...) [No período mais grave da crise, entre 2008 e 2009] Nós crescemos legal, 18%.

A grande ameaça

A grande ameaça que existe é a não-formação de novos leitores. As famílias [ricas] que tinham cinco filhos há um século, hoje ou não têm nenhum ou têm um, no máximo dois. O número de leitores cresce pouco, se é que cresce. Se você pegar o universo da classe D, esse pai não tem orgulho nenhum do que faz, nem a mãe. Então a compra de um lápis significa para ele um investimento na educação de um filho. Acho isso extremamente bacana, é um raciocínio válido, mas sabemos que é insuficiente. O apagão do ensino taí, a dificuldade que temos de admitir gente é homérica. A gente aplica testes básicos dos básico de conhecimentos gerais razoáveis. A gente quer que o candidato leia jornais, uma revista, que seja atualizado. Você pergunta para ele quem escreveu "Dom Casmurro", metade levante e vai embora. E são todos universitários formados. E não sou o único que tem esse tipo de problema. Falei com outros empresários, de outras áreas, que têm exatamente o mesmo problema. Gente que não encontra engenheiros, que não encontra médicos. Veja o resultado do Enem. Está difícil acreditar. Esse crescimento anunciado é sustentado? Ou é um momento de paternalismo que está aí? Estou procurando gente [para as lojas] no Nordeste, tem gente que não quer ser registrada. Perguntamos por que, e dizem: "Ah, porque eu recebo a Bolsa [Família], minha mulher recebe a Bolsa. E a população cresce nesses lugares do Nordeste. E gente esclarecida que pode ter filhos está tendo cada vez menos, se é que está tendo. Conheço casais de amigos, leitores, muito bem casados, felizes, que preferiram não ter filhos.

Livros usados

“Minha mãe começou a livraria achando que muito livro valia a pena ser lido e não ser comprado. Ela começou alugando livro. Sou francamente favorável ao comércio de livros usados. E há espaço para todo mundo. (...) O que eu condeno é que um irmão mais novo não possa aproveitar o livro do irmão mais velho na escola. O que é que mudou na aritmética e na geografia? Por que tem que jogar fora esse livro. Hoje o governo até faz uma campanha para o aproveitamento [do livro didático], extremamente salutar, mas não é só. Por que o livro novo tem que ter um leitor por exemplar? Não tem biblioteca. Um livro, um leitor, é pouco.”

Bibliotecas públicas

[Sobre a nova Biblioteca de São Paulo]

“O [secretário estadual de Cultura, João] Sayad me falou que eles se inspiraram muito no modelo da [Livraria Cultura da avenida] Paulista, que é um local onde as pessoas ficam. Fiquei orgulhoso. É possível criar um lugar onde as pessoas se entretêm, têm opções para aprender e ver alguma coisa de concreto. A coisa mais bacana que achei é que ela vai funcionar nos fins de semana. Gente, o Brasil é o único país em que as bibliotecas fecham no fim de semana, quando os pais podem levar os filhos.”

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

*Post de outros carnavais

Findos os quatro dias de folia, voltamos à nossa rotina de chimpanzés.

É hora de fazer um balanço da festa: contar os mortos nas estradas, os mortos a tiro, os bêbados mortos, os amores mortos... Triste contabilidade, enfim. Mas sem novidades no front.

Os puxadores de samba (Jamelão odiava que o chamassem assim; dizia que era cantor e ponto), os mestres-salas, as porta-bandeiras, os mestres de bateria, os carnavalescos cairão no ostracismo durante doze meses, após o quê emergirão do anonimato para serem novamente celebrados por todos nós. As rainhas de bateria profissionais (Luma de Oliveira, Luiza Brunet, Adriana Bombom, Viviane Araújo etc.) nos privarão de seu charme e gostosura durante todo esse tempo. Os orixás também voltarão à clandestinidade, como os camelôs e as putas. Nossa sociedade predominantemente católica só os tolera durante o carnaval, quando então podem ser enredo de escola de samba, ir atrás dos trios elétricos (se tiveram 600, 800 reais para comprar um abadá, claro), se vestir de mulher e brincar num bloco qualquer, whatever. Podem até aparecer na televisão - o que, em última análise, os legitima.

***
Luiz Zanin, crítico de cinema do Estadão, em post recente em seu blog, lembrou que A Lira do Delírio é, provavelmente, o melhor filme brasileiro cuja trama se passa durante o Carnaval. Concordo. Walter Lima Jr. fez um desses filmes que nos encantam pela maneira "despretensiosa" como foram filmados. Tudo parece muito natural: os atores flanam pelos cenários, inebriados, eufóricos, apaixonados. Nada é estilizado. Não é cinema-favela, nem cinema-agreste. É CINEMA e fim de papo.

Convém ressaltar que esse tipo de cinema (naturalista, marcado pela improvisação) não é o único que me interessa. Nem tampouco estou aqui para fazer a defesa irrestrita do cinema nacional. Ocorre que A Lira do Delírio é um projeto nessa linha de dramaturgia calcada na parceria ator-diretor - em que o roteiro é criado conjuntamente, com o mínimo de premeditação - que deu certo. Não por acaso o filme se tornou um clássico.

E mais não digo. Porque já estou ficando pernóstico.(Graciliano Ramos gostava desse adjetivo: pernóstico; seus livros estão cheios dele. Foi assim que aprendi a gostar também.)

*Publicado originalmente em 26 de fevereiro de 2009.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Contos embrionários I

Vocês não me são estranhos

As carrancas virtuais dos meus amigos não me assustam. O silêncio pesado dos meus seguidores desconhecidos também não. Temer semelhantes coisas está além de minha capacidade. A promiscuidade reinante nas redes de relacionamento me causa no máximo estranheza. Tudo o que omito dos meus “amigos virtuais” me agride – sinto-me um grande cretino quando deixo de compartilhar um aspecto qualquer de minha intimidade com os demais integrantes da rede. Tenho um prazer sádico em não responder a e-mails e ignorar comentários dos que me seguem e de quem eu sigo. Demoro a confirmar a amizade a quem me adiciona como amigo só pela satisfação de saber que causo ansiedade e desconforto ao solicitante. A mitomania é minha maior bandeira on-line. E o efeito mais nocivo dessa minha inclinação irrefreável à mentira é a desconfiança gerada por cada asserção legítima que solto na web - o que me aborrece e diverte ao mesmo tempo. O exemplo mais recente desse tipo de qüiproquó aconteceu há cerca de três ou quatro meses quando, num acesso incomum de sinceridade, relatei de maneira sucinta um acontecimento extraordinário que acabara de se dar comigo. Enquanto tomava meu segundo banho do dia – pois tomo dois banhos diários invariavelmente, um pela manhã, e outro quando chego do trabalho, ali pelas sete da noite – descobri, ao massagear meu coro cabeludo coalhado de xampu condicionante com ambas as mãos, a fim de produzir espuma em abundância, uma pequena protuberância bem no topo da minha cabeçorra ovalada. Palpei a região saliente durante um bocado de tempo, e tudo teria sido facilmente esquecido caso eu não tivesse experimentado uma ligeira dor aguda a cada vez que pressionava com um pouco mais de força o calombo. Do chuveiro mesmo gritei minha mulher, que demorou alguns minutos a vir em meu socorro porque estava ocupada com a correção de uma penca de trabalhos escolares. Ela é professora primária. Tão logo notou um elevado grau de desespero em meu chamado, minha esposa abandonou sua tarefa e invadiu o banheiro como um agente de polícia invade um cativeiro. Acompanhei aflito sua silhueta embaçada aproximar-se através da parede do box. Com as mãos entrelaçadas, eu formava uma cuia protetora sobre a cabeça como se desejasse guarnecer a moleira que se tinha fechado definitivamente havia quase quarenta anos. Minha mulher praticamente pulou sobre mim, decerto por ter pensado que os anos de sedentarismo e má alimentação finalmente tivessem resultado num grave enfarte. Contudo tratei de tranqüiliza-la e, sem lhe dar chances de elaborar qualquer tipo de pergunta, peguei sua mão direita e a coloquei sobre a parte abaulada da minha cabeça. O que é que tem isso?, ela perguntou, visivelmente irritada, mas não demasiado, de vez que conhecia meu pendor para a hipocondria desde nosso tempo de namoro. Dói, eu disse, e pressionei sua mão, que não chegava à metade do tamanho da minha, contra a região sensível, no intuito ilógico de lhe fazer experimentar a dor lancinante que eu sentia toda vez que repetia aquele gesto. Quase me mata de susto, baixou o tom de voz, recolhendo a mão examinadora até o peito galopante. Não era nada, repetia ela, enquanto eu insistia na hipótese de uma hérnia craniana, um traumatismo, ou uma outra anomalia qualquer. E se não consegui convencê-la de que algo maligno eclodira no alto da minha cabeça, ao menos lhe propiciei um prazer infantil traduzido numa longa e estridente gargalhada que só arrefeceu depois que iniciamos ali mesmo, no chuveiro, uma maratona de carícias cuja intensidade só havíamos experimentado em nossas primeiras manobras amorosas.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Melhores de 2009 (III)

E, encerrando a postagem das listas de melhores do ano, seguem as sete obras-primas do cinema que me encantaram em 2009.

1 – Crepúsculo dos Deuses, de Billy Wilder
2 – Ran, de Akira Kurosawa
3 – Os Incompreendidos, de François Truffaut
4 – Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rosellini
5 – Morte em Veneza, de Luchino Visconti
6 – Meu Ódio Será Sua Herança, de Sam Peckinpah
7 – Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho

Seis narrativas e uma espécie de “estudo” sobre a narrativa e a arte da representação (Jogo de Cena) que merecem ser vistos. Sete excelentes maneiras de se “perder tempo”.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Melhores de 2009 (II)

E dando seqüência às minhas listas de melhores de 2009, aqui vão os livros mais interessantes que li no ano passado.

Os títulos estão em ordem de preferência:

1 – A Sibila, Agustina Bessa-Luís
2 – Austerlitz, W. G. Sebald
3 – As Virgens Suicidas, Jeffrey Eugenides
4 – Notas do Subsolo, Fiodor Dostoiévski
5 – Juventude, J. M. Coetzee
6 – Diário de Um Velho Louco, Junichiro Tanizaki
7 – Histórias de Cronópios e de Famas, Julio Cortázar
8 – Bartleby e Companhia, Enrique Vila-Matas
9 – Fun Home, Alison Bechdel
10 – eXato acidente, Tony Monti
11 – Um Esporte e Um Passatempo, James Salter
12 – A Viagem do Elefante, José Saramago
13 – Indignação, Philip Roth
14 – Longe da Água, Michel Laub
15 – A Louca da Casa, Rosa Montero
16 – O Lugar Escuro, Heloísa Seixas

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Confissões de ano velho II

“Quanto mais claramente enxergamos este mundo, mais nos vemos obrigados a fingir que ele não existe”.
James Salter / Um Esporte e Um Passatempo

Em abril do ano passado eu me encontrava com a alma pesada. Acho que, na realidade, era meu corpo que estava inchado pelo excesso de ócio e por uma espécie de abstracionismo auto-indulgente. Em casa ou na rua, eu boiava ou flutuava ao invés de caminhar. Era paradoxal: como um corpo inchado e adiposo podia flanar por aí qual um ectoplasma? Não me ocorriam respostas nem soluções. Minha língua e meu humor afiados eram defesas cínicas de alguém desacreditado, alguém comprometido apenas com a própria miséria, que se fiava em pequenas esperanças, cartas e amigos antigos, e frases e gestos de efeito.

Lado a lado na parede do meu quarto, dois diplomas – o de conclusão do ensino superior, e o de participação e destaque num concurso literário de âmbito nacional – que não me serviam para nada. Apesar do esforço sincero que fazia para manter a cabeça erguida enquanto buscava conquistar espaço e ocupação (concursos públicos, mais concursos literários, entrevistas e entrevistas de emprego) num mundo decadente em que suas loas de progresso eram seus próprios estertores, eu sempre falhava; já começava a batalha previamente derrotado.

Mas então chegou o mês de maio e eu recebi um telefonema de um velho amigo ali pelas sete da noite. Ele me perguntou o que eu estava fazendo e eu disse nada de produtivo ou saudável - e isso bastou. Em menos de uma semana eu tinha um emprego, responsabilidades, direitos e deveres, enfim, uma ocupação para viver e morrer disso. De segunda a sexta feira, das nove às dezoito horas. Dar as mãos aos homens comuns e participar dessa ciranda.

Algum tempo de adequação à rotina (radicalmente?) alterada e às exigências do trabalho. Faça frio ou calor, sob sol ou chuva, é preciso acordar por volta das sete e meia, fazer a higiene matinal, trajar esporte-fino, colocar marmita / guarda-chuva / livro dentro da mochila, e tomar o ônibus para o centro da cidade. Quando batem as nove horas, é tempo de entregar-se à faina do escritório. Por sorte os companheiros de trabalho são pessoas muito boas; o dia-a-dia pode até ser estressante e ocasionar dissabores, mas nunca por conta deles.

Minha alma – esse apêndice metafísico onde se depositam todas as minhas angústias – continua pesada, mas agora não flutuo nem bóio por aí como uma sacola plástica. Tenho andado por entre a gente com os pés descalços e os bolsos (quase) vazios. Eventualmente queimo os pés no asfalto em brasa e procuro manter a cabeça erguida.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Os melhores de 2009 (1)

Hoje O Chimpanzé completa um ano de existência. E eu resolvi comemorar publicando minhas listas de favoritos de 2009. Primeiramente, segue a relação dos (meus) melhores filmes lançados em 2009.

1- Amantes, de James Gray
2- Gran Torino, de Clint Eastwood
3- Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino
4- Guerra ao Terror, de Kathryn Bigelow
5- O Lutador, de Darren Aronofsky
6- Inimigos Públicos, de Michael Mann
7- Up – Altas Aventuras, Pete Docter
8- Arraste-me para o Inferno, de Sam Raimi
9- Milk – A Voz da Igualdade, Gus Van Sant
10- Avatar, de James Cameron
11- Star Trek, de J.J Abrams
12- Se Beber, Não Case, Todd Phillips
13- Presságio, de Alex Proyas
14- *Para Aceitá-la Continue na Linha, de Anna Muylaert

Após compor a lista, me dei conta de que todos os filmes – com a nobre exceção de Para Aceitá-la.... - são made in USA, o que pode ser “explicado” pelos seguintes motivos: a) quase não tenho acesso aos melhores filmes europeus / asiáticos / sul-americanos (incluindo os nacionais), que podem ser vistos quase que exclusivamente nos festivais de cinema das capitais ou em salas destinadas a “filmes de arte”; b) não tenho o hábito de baixar filmes na internet, pois não disponho de meios para tanto; c) nem todos os filmes relevantes são lançados em DVD, e mesmo quando ocorre de serem bem distribuídos, eles nem sempre chegam às locadoras do interior; d) Hollywood continua soberana.

* Para Aceitá-la Continue na Linha é um telefilme exibido pela tevê Cultura em meados de dezembro do ano passado. Trabalho notável. Anna Muylaert é uma diretora invulgar. Quem viu Durval Discos sabe disso. Agora estou ansioso para ver É Proibido Fumar.