terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Confissões de ano velho II

“Quanto mais claramente enxergamos este mundo, mais nos vemos obrigados a fingir que ele não existe”.
James Salter / Um Esporte e Um Passatempo

Em abril do ano passado eu me encontrava com a alma pesada. Acho que, na realidade, era meu corpo que estava inchado pelo excesso de ócio e por uma espécie de abstracionismo auto-indulgente. Em casa ou na rua, eu boiava ou flutuava ao invés de caminhar. Era paradoxal: como um corpo inchado e adiposo podia flanar por aí qual um ectoplasma? Não me ocorriam respostas nem soluções. Minha língua e meu humor afiados eram defesas cínicas de alguém desacreditado, alguém comprometido apenas com a própria miséria, que se fiava em pequenas esperanças, cartas e amigos antigos, e frases e gestos de efeito.

Lado a lado na parede do meu quarto, dois diplomas – o de conclusão do ensino superior, e o de participação e destaque num concurso literário de âmbito nacional – que não me serviam para nada. Apesar do esforço sincero que fazia para manter a cabeça erguida enquanto buscava conquistar espaço e ocupação (concursos públicos, mais concursos literários, entrevistas e entrevistas de emprego) num mundo decadente em que suas loas de progresso eram seus próprios estertores, eu sempre falhava; já começava a batalha previamente derrotado.

Mas então chegou o mês de maio e eu recebi um telefonema de um velho amigo ali pelas sete da noite. Ele me perguntou o que eu estava fazendo e eu disse nada de produtivo ou saudável - e isso bastou. Em menos de uma semana eu tinha um emprego, responsabilidades, direitos e deveres, enfim, uma ocupação para viver e morrer disso. De segunda a sexta feira, das nove às dezoito horas. Dar as mãos aos homens comuns e participar dessa ciranda.

Algum tempo de adequação à rotina (radicalmente?) alterada e às exigências do trabalho. Faça frio ou calor, sob sol ou chuva, é preciso acordar por volta das sete e meia, fazer a higiene matinal, trajar esporte-fino, colocar marmita / guarda-chuva / livro dentro da mochila, e tomar o ônibus para o centro da cidade. Quando batem as nove horas, é tempo de entregar-se à faina do escritório. Por sorte os companheiros de trabalho são pessoas muito boas; o dia-a-dia pode até ser estressante e ocasionar dissabores, mas nunca por conta deles.

Minha alma – esse apêndice metafísico onde se depositam todas as minhas angústias – continua pesada, mas agora não flutuo nem bóio por aí como uma sacola plástica. Tenho andado por entre a gente com os pés descalços e os bolsos (quase) vazios. Eventualmente queimo os pés no asfalto em brasa e procuro manter a cabeça erguida.

2 comentários:

  1. Eu também gostaria muito que ele fosse publicado, para que todos os interessados pudessem conhecê-lo, mas a verdade é que eu não sei bem o que fazer para que isso aconteça - estou perdido mesmo. Não que o livro seja excepcional, nada disso, mas eu acho que suas qualidades são superiores a seus defeitos - o que, a meu ver, o qualificaria para uma edição. O difícil é conseguir que algum editor se interesse por um livro de um escritor desconhecido do interior do país, como eu. Se você conhecer algum, por favor, me apresente.

    Beijo.

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