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quinta-feira, 11 de setembro de 2014
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quarta-feira, 14 de agosto de 2013
Microconto
sábado, 28 de julho de 2012
A pequenez da vida que a arte exagera
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
O inquilino
domingo, 11 de dezembro de 2011
Crack
domingo, 10 de julho de 2011
Ivan Ilitchi está morrendo

Ivan Ilitch via que estava morrendo e desesperava-se.
No fundo do coração sabia que estava indo embora e, longe de acostumar-se com a idéia, simplesmente não conseguia entendê-la.
O exemplo de um silogismo que aprendera na Lógica de Kiezewetter, “Caio é um homem, os homens são mortais, logo Caio é mortal”, parecera-lhe a vida toda muito lógico e natural se aplicado a Caio, mas certamente não quando aplicado a ele próprio. Que Caio, ser abstrato, fosse mortal estava absolutamente correto, mas era não era Caio, nem um ser abstrato. Não: havia sido a vida toda um ser único, especial. Fora o pequeno Vanya, com mamãe e papai Mita e Volodya, com brinquedos e um tutor e uma babá; e mais tarde com Kátia e todas as alegrias e prazeres da infância, da adolescência e da juventude. O que sabia Caio do cheiro da bola de couro de que Vanya tanto gostava? Por acaso era Caio quem beijava a mão de sua mãe e escutava o suave barulho da seda de suas saias? Foi por acaso Caio quem se envolveu em protestos quando estudante de Direito? Foi Caio quem se apaixonou? Quem presidiu sessões como ele?
E Caio certamente era mortal e era mais do que justo que morresse, mas ele, o pequeno Vanya, o Ivan Ilitch, com todos os seus pensamentos e emoções, é completamente diferente. Não pode ser verdade, isso seria terrível demais.
Era assim que se sentia por dentro.
“Se eu tinha que morrer assim como Caio, deveriam ter me avisado antes. Uma voz dentro de mim desde o início deveria ter-me dito que seria assim. Mas não havia nada em mim que indicasse isso; eu e todos os meus amigos sabíamos que no nosso caso seria diferente. E eis que agora... Não... não pode ser e no entanto é assim! Como entender isso?”
Trecho de “A Morte de Ivan Ilitch”, de Leon Tolstoi.
quinta-feira, 16 de junho de 2011
Um homem à tarde
Eu já tive vinte e um anos e escrevia contos como esse:
Naquela tarde imaginei que se eu fosse uma mulher bonita ignoraria todos os homens do mundo. Viveria num celibato cativo, indiferente a investidas masculinas de qualquer espécie. Isso naquela tarde em que encontrei a professorinha na biblioteca.
Fiquei feliz em reencontrá-la. Foi como topar um compatriota numa nação estrangeira. Eu, que havia muito não tinha uma conversa minimamente agradável com ninguém, me senti à vontade para falar de mim mesmo, o que um dia cheguei a considerar a mais egoísta das atitudes.
A professorinha disse estar contente lecionando para crianças da pré-escola, mas que a remuneração era vergonhosa. Por isso se preparava para um concurso do Banco do Brasil, onde decerto poderia lograr prestígio e melhores salários. Não concordei nem discordei, apenas pedi que não se esquecesse dos velhos amigos quando do chopinho no sábado à noite.
Conversava comigo e folheava uma apostila de Direito Bancário. Vestia jeans e blusa branca, os cabelos crespos presos para trás num coque. Elogiava minha erudição e ignorava minha aparência de andarilho bêbado.
- Desempregado!? E a faculdade?
- Um porre! Um emaranhado de teorias broxantes. Estão me castrando aos poucos.
Coçou de leve a orelha direita. Reparei num fio de remela no canto do seu olho esquerdo. Daí não consegui prestar atenção em mais nada, nem mesmo em seus seios pequenos contraídos na blusinha apertada.
Partimos para a política.
- Este ano vou anular meu voto. Meu ex-namorado me convenceu.
- Eu ainda não sei em quem vou votar, para presidente. Mas não voto no governo, nem fodendo. Foi uma decepção muito grande.
Começou a espirrar. E eu resisti à inclinação atávica de desejar saúde.
- É que não posso com ar condicionado.
Será que era infeliz? Se o era, sua voz não denunciava, nem tampouco seu porte austero, típico de mulher independente. Talvez algo no modo de manusear a caneta sobre o papel, mas nada grave. Apenas um resquício de remela no canto do olho.
- E você, continua escrevendo?
- Pouco, bem pouco.
- É uma pena. Me lembro de algumas histórias suas. Eram bonitas, bonitas mesmo.
- (...)
- Estão todas na gaveta ou você já publicou alguma?
- Na verdade joguei todas fora.
- Mas por quê?
- Porque eram bonitas demais.
Soltou uma risada gostosa. Eu tinha me esquecido de como sua risada era gostosa.
- Você não existe, cara!
- E você, existe?
- Não sei. Parece que hoje em dia o tamanho da sua existência é proporcional ao tamanho da sua conta bancária
- Então você tem razão: eu não existo.
Rimos. Eu também gostava disso nela – da ironia.
Alguns segundos de silêncio. Eu observava as pessoas que circulavam por entre as estantes e pensava em algo inteligente para dizer. Como é difícil ser original! Ainda mais sabendo que a originalidade não dista um palmo sequer da idiotice. Mais fácil teria sido me deixar levar por aquela sensação de letargia que tomava quase todo o meu corpo. Dormir talvez. Eles se importariam se eu dormisse? A professorinha sentiria a minha ausência?
- Você estava longe.
- Desculpe, é que...
- Vamos indo? – indagou, e em seguida ajeitou os livros e apostilas numa pilha sobre a mesa.- Você não vai levar nada para ler hoje?- e, ao se levantar, esbarrou suavemente a mão em meus cabelos.
A conversa me agradava de tal modo, que eu até me esquecera do real propósito de minha ida
à biblioteca.
- Ainda bem que você perguntou. Eu já ia me esquecendo de devolver os livros que emprestei. Você já leu Juan Rulfo? É um escritor mexicano. Maravilhoso! Você tem que ler.
- Eu preciso ler mais mesmo. Sou muito preguiçosa.
- Se bem que literatura amolece a gente. A literatura, você deve saber, é a arte do inútil.
Ela riu, levando a mão esquerda à boca.
- Que é isso? Você só pode estar de gozação.
- Não, é verdade. E é justamente por ser inútil que a literatura é rica, linda, poderosa!
- Ai, eu não entendo você!
- Tem nada, não. Deixa pra lá.
Antes de sairmos, após devolver “Pedro Páramo” e “O Chão em Chamas” à bibliotecária, dei uma última olhada para aquelas pessoas debruçadas sobre livros técnicos e apostilas, absorvidas por uma determinação hercúlea, por um sentido de direção exato, e me perguntava se eles realmente sabiam para onde estavam indo, ou se fingiam objetividade e serenidade quando na verdade estavam gritando, pedindo ajuda, mas ninguém os ouvia.
A professorinha se mantinha indiferente a tudo; senhora de si, transitava entre dois mundos completamente distintos. E ainda que o teto do prédio começasse a desabar, ela se manteria incólume, enquanto eu seria atingido por enormes blocos de concreto, até ser levado ao chão, sem vida.
Caminhamos vagarosamente pelas ruas do centro da cidade, ruas estas que, naquela tarde específica, estavam repletas de mulheres grávidas, fecundadas pelo mesmo sol que castigava os caminhantes. Já passava das quatro e a professorinha começava a demonstrar sinais de ansiedade, na certa porque teria de se aprontar para um compromisso logo mais à noite. Disse que não estava namorando, embora o ex a procurasse quase que diariamente para tentar reatar o namoro. E, como ela se mostrasse pouco à vontade, não insisti nesse assunto, a convidei para tomar um sorvete, mas ela recusou. A professorinha não gostava de falar de sexo. Era tímida. O que ficara evidente quando do nosso banho de piscina no sítio de um amigo que comemorava o aniversário. Na ocasião, caminhara até a piscina envolta em uma toalha roxa e felpuda, e, após passar pouco mais que um quarto de hora nadando de uma borda à outra, saiu e mais que depressa se enrolou novamente na toalha, mal deixando entrever seus contornos femininos sob o maiô azul-claro.
Finalmente chegamos ao ponto de ônibus.
- O meu já deve estar vindo, comentou.
- Você não quer mesmo tomar um sorvete comigo?, insisti.
- Não, Marcel, obrigada. Fica pra próxima. Eu marquei de ir à missa com uma amiga, e se eu não for ela briga comigo.
Não insisti mais. Já começava a me acostumar com a idéia de tomar sorvete sozinho mesmo. Além do quê, seria praticamente impossível manter mais algum tempo de conversa com a minha querida professorinha, sem conseguir lembrar o seu nome. O que seria: minha cara Ana Laura... Beatriz, meu amor, eu não sou anti-social, não senhora. Pelo contrário, amo demais as pessoas, tanto que, numa tarde incandescente e lúbrica como esta, eu desejaria a anulação de minha própria sexualidade para poder caminhar de mãos dadas com homens e mulheres nos vergéis do paraíso.
E no entanto eu era só um homem perdido na tarde grávida, recém-semeada pelo rei Sol. Quando Maria Isabel selou nosso encontro com um beijo terno no meu rosto, antes de depositar um pedaço de papel com seu número de telefone no bolso da minha bermuda.
- Me liga pra gente combinar de ir ao cinema qualquer dia desses.
- Pode deixar. E você também, vê se não some.
- Eu vou tentar.
Na sorveteria, enquanto tomava meu sorvete de creme a lentas colheradas, me incomodava a hipótese de que, se eu morresse naquele dia ou nos dias seguintes, provavelmente Ana Clara demoraria a saber, isso se viesse a saber. Mas fui deixando de lado esses pensamentos nefastos na medida em que me empenhava na observação de um cartaz com uma propaganda de refrigerante na parede. Continha a foto de um casal de adolescentes se beijando, e quem quer que olhasse com um pouco mais de atenção para aquela imagem vislumbraria a sutileza com que a língua rosada da moça se misturava à do rapaz, e como a mão do rapaz escorregava lentamente para dentro da saia da moça, até aninhar-se no púbis, a salvo.
15/05/2006