sábado, 31 de janeiro de 2009

O improvável colóquio entre um chimpanzé e uma barata – Parte I


Minha mãe possui o irritante (porém saudável) hábito de trocar os móveis de lugar de tempo em tempo. Ontem, enquanto eu tentava escrever o sacrossanto post diário para este blog, ela invadiu meu quarto e começou a esvaziar o guarda-roupa. Atirou roupas, sapatos, livros, apostilas, DVDs etc. sobre a cama; pôs-se a varrer os cantos, vãos e reentrâncias do piso, debaixo da cama, do beliche, varreu e passou pano até nas paredes e no teto. E eu, sentindo-me cada vez mais coagido, não conseguia escrever uma linha inteligível sequer. Então pensei: ela pensa que estou sentado aqui de brincadeira (o que não chega a ser uma total inverdade), gastando tempo e dinheiro à toa. Não sabe que isto é um verdadeiro sacerdócio, e que toda manhã (lá pelas duas, três da tarde), após a toalete de praxe, visto meu traje episcopal, preparo uma xícara de café e venho para diante desta telinha a fim de produzir um texto (crônica, conto, comentário, poemeto ou quejandos); dar um alô pros amigos próximos e pros distantes, pros desconhecidos do hemisfério sul e do norte, pros habitantes da Terra e pros extraterrestres... aquele abraço!; compartilhar minha solidão enfim? Bem, acho que ela não faz ideia. Como todas as mães, ela só quer que o filho seja ALGUÉM na vida – e um chimpanzé que passa boa parte do dia em frente ao computador não é exatamente um modelo de pessoa bem-sucedida.

Mas minha mãe varria o quarto. Enquanto isso eu misturava alhos com bugalhos e me envergonhava do resultado. Lá pelas tantas, ela pediu que eu pelo menos – e esse pelo menos vinha eivado de ressentimento e ironia da boa - organizasse meus livros e DVDs no novo compartimento que ela reservara para eles no guarda-roupa. Fechei com ela e, assim que acabei de redigir o post, comecei a me ocupar das cinco pilhas de volumes de literatura, gramática, filosofia, matemática, entre outros, que fediam a mofo. Pobres dos meus livros massacrados pelas traças e pela umidade! Se eu dispusesse de um lugar melhor para alojá-los... Penso numa enorme estante em cerejeira abarrotada de livros, em frente à qual tirarei a foto de divulgação do meu trabalho – para não fugir ao lugar-comum. Penso na tal foto e sou tomado por uma alegria incrivelmente tênue, fogo-fátuo que se desfaz ao menor golpe de ar.

O que tinha tudo pra ser uma tarefa simples, transforma-se numa presepada. Pego cada um dos livros e imediatamente lembro o que têm de bom, muito bom, genial, e sinto uma vontade avassaladora de reler esses trechos inesquecíveis, e assim a tarefa se arrasta infinitamente. Acabo fedendo a poeira também. Me esparramo pelo chão, os livros caem sobre mim, e eu experimento cada um deles - uma verdadeira suruba literária. Este é ótimo (Desonra, do J.M Coeetze); estes também são excelentes (O Nariz do Morto, do falecido Antonio Carlos Villaça, e Matadouro 5, do também falecido Kurt Vonnegut); e mais este, e aquele, aqueles outros... Comprei, ganhei, roubei - ops! mentirinha; nunca o fiz, mas não por falta de vontade.

A festa corria às mil maravilhas quando, debaixo de um exemplar de Lolila, de Nabokov, vislumbro duas anteninhas pardas que se movimentam sincronicamente para cima e para baixo: uma baratinha leitora. A princípio reluto em puxar conversa, mas logo me dou por vencido:

- Olá!

Mas a baratinha esnobe não me dá bola.

Tento uma segunda investida.

(To be continue...)

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