quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Crônica não acabada

(Autorretrato de Francis Bacon)

Às vezes, caminhando pela rua, distraído, me pego a imaginar que sou outra pessoa. Ora me vejo como o mendigo que arrasta seus petrechos pelo centro da cidade; ora como o dentista que desce as escadas do consultório assoviando uma canção de Chico Buarque. E, sendo o andarilho andrajoso, ou o graduado trajando branco, me sinto satisfeito.

Parte disso talvez advenha do fato de a gente sempre se supor mais infeliz que os outros. Querer ser o que se é, já dizia o pensador holandês Erasmo de Roterdã, no século XVI, é o segredo da felicidade. Mas quantas pessoas de fato sentem-se felizes consigo mesmas? O ideal de felicidade para um pode não ser o mesmo para outro. E ainda assim muitos insistem em projetar seu ideal de existência em outras pessoas. O dentista supracitado, por exemplo, nunca terá se imaginado na pele de um ator de novelas? E o mendigo? Terá ele algum dia aspirado à condição de senador da república, fazendo discursos acalorados no senado federal?

Imaginar-se na pele de outro alguém é um tipo de fantasia à que as pessoas mais comuns costumam recorrer. Para tanto, uns apelam à ficção - assistindo a filmes, lendo romances, ou indo ao teatro; enquanto outros escrevem suas próprias estórias, real ou mentalmente. Se essa é uma prática saudável, eu já não sei dizer. Mas a verdade é que sonhar costuma ser uma atitude recomendada, para a maioria dos seres humanos. Homens e mulheres sem imaginação costumam ser tachados de idiotas ou de desprovidos de ambição; quem não sonha não sabe para onde vai, ou não quer sair do lugar.

Aquele que sonha em demasia, no entanto, corre o risco de ser tomado por louco. Dom Quixote de La Mancha, por exemplo, era tido por seu fiel companheiro, Sancho Pança, como o maior dos lunáticos. Montado em seu cavalo Rocinante, e investindo contra moinhos de vento como se estes fossem cavaleiros inimigos, Dom Quixote moldava o mundo à sua imaginação. Por isso é tido, ainda hoje em dia, como o pai dos sonhadores – daqueles que imaginam um mundo paralelo, no qual o sonho é a moeda corrente e o livro seu mais ilustre receptáculo.

O limite entre o sonho e a loucura é muito tênue, e por isso sonhar é correr o risco de se enveredar por um caminho sem volta, que desembocará num mundo de solidão perpétua. Por essa razão é sempre aconselhável saber onde pisamos, mesmo no território da imaginação. Nada nos impede de nos projetarmos em outras vidas ou em outros mundos, mas é sempre reconfortante saber que podemos voltar a qualquer momento para nossa triste porém sólida realidade.

07/12/2006

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