sábado, 7 de fevereiro de 2009

Meu amigo de Pasárgada

Não é surpresa pra ninguém que sou grande admirador do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, considerado por muitos nosso maior nome da poesia. Mas, se um dia um... gênio, vá lá, surgisse diante de mim e me facultasse a possibilidade de conhecer um poetastro nacional, eu escolheria Manuel Bandeira.

Não li Bandeira tanto quanto li Drummond. Mas posso dizer sem medo de errar e com alguma pieguice que ambos formam a dupla dinâmica da poesia brasileira: Batman e Robin – como escreveu Fabrício Corsaletti em sua deliciosa coletânea de contos, King Kong e Cervejas.

No entanto, não é possível precisar qual é o homem-morcego e qual é seu fiel escudeiro. E paro por aqui com esse negócio de Batman e Robin a fim de não denegrir inconscientemente a imagem dos bardos, de sorte que a dupla de super-heróis da DC Comics possui a fama de... Bem, vocês sabem.

Quero mesmo é chamar sua atenção para um livrinho de crônicas de Manuel Bandeira com o qual tive a sorte de topar numa das estantes da Biblioteca Pública de Lorena, nesta segunda-feira. Trata-se de Colóquio Unilateralmente Sentimental, uma compilação de textos que o autor de Libertinagem escreveu exclusivamente para o programa de rádio chamado Quadrante, da Rádio Ministério da Educação e Cultura, nos anos 1962 e 63.

A seguir, alguns trechos do livro:

Outro dia foi meu tio Antonico que me surpreendeu, dizendo ao amigo Fiúza: - Quando você ia colher os cajus, eu já voltava com as castanhas!

Surpresa maior, porém, foi o que disse à minha avó uma sua amiga, ouvindo-lhe queixas de achaques que não cediam aos remédios: Minha Dona França, deixe a natureza obrar!

Essas foram frases ouvidas na infância e então me soaram insólitas e inexplicáveis. Adulto, ouvi outras, sem nenhum mistério, mas igualmente surpreendentes. Assim, a de uma dessas pretinhas de Copacabana, cabelizadas e maquiladas, que tratava emprego com a senhora:

- A que horas a senhora janta?
- Às oito horas
- Não pode ser às sete?
- Quem marca os horários das refeições em minha casa sou eu, não a cozinheira.

A pretinha então, muito gentil:

- Claro, não leve a mal que eu pergunte: não vê que eu sou mulher da vida e tenho de noite o meu trabalho lá fora.

(Frases)

A respeito do amigo Mário de Andrade, o poeta escreveu:


Mário de Andrade gostava de repetir que era um homem feliz. Feliz daquela felicidade em que a própria dor é um elemento dela.

E citando o autor de Macunaíma:

“(...) Os nossos estudantes de música ficam em casa batucando o pianinho. Não podem ir ao teatro porque é caro. O povo fica em casa imaginando um jeito de pagar o imposto da semana. Não pode ir ao teatro porque é caro. E a nacionalidade também fica em casa, errando português e sentindo preguiça.”

(Mário de Andrade, animador da cultura musical brasileira)

A propósito de um episódio de vandalismo no Rio de Janeiro:

Eu tinha visto o que fizeram com o Obelisco: emporcalharam-lhe toda a base com letreiros, e quem o fez não foi qualquer pobre diabo homem-do-povo, a soldo de propaganda eleitoral: foram estudantes, rapazes que se presumem educados. Não acharam melhor meio de reclamar mais vagas nas escolas superiores senão borrando um monumento da cidade!

(Bandeira e o Obelisco)

Quando recebeu uma boa quantia em dinheiro de um seu editor sueco, Bandeira exultou, meio incrédulo:

“Viva a Suécia!”

E acrescento agora um “Viva os Estados Unidos!” Bem entendido, não é só para fazer raiva aos comunas, isso eu faço bebendo muita Coca-Cola, coisa de que até eu não gostava, mas aprendi a gostar para fazer raiva aos comunas.

(Direitos Autorais)

Um pândego esse Manuel Bandeira, não? Por isso eu gostaria de ter sido seu amigo. Amigo desse sujeito que gostava de carnaval, de futebol, de Coca-Cola, de música e de poesia, ao que tudo indica com a mesma intensidade. Que se achava feio (..., visto que não gosto, não gosto nunca da cara que Deus me deu, Deus me perdoe!); que repudiava os rebeldes sem causa, os vândalos, e os políticos que enfeiam as cidades com propaganda eleitoral.

Esse notável livrinho de crônicas editado pela Record em 1968 é uma pequena mostra de como o autor de Estrela da Vida Inteira foi também um excelente prosador.

Nenhum comentário:

Postar um comentário