sábado, 28 de fevereiro de 2009

*Quem quer ser um chimpanzé?

Reparem que alterei a inscrição no cabeçalho do blog. No lugar de "e conversa fiada", coloquei "e entrevistas de emprego". Minhas sinceras desculpas àqueles que porventura vierem parar aqui neste cafofo em busca de emprego. (Se souberem de uma vaga qualquer, me avisem, ok?) Eis um dos inúmeros riscos de se utilizar o Google para fazer pesquisa.

Por que "entrevistas de emprego?" Porque essa tem sido uma de minhas mais freqüentes ocupações há alguns anos. Portanto é natural que eu vez ou outra me dedique a esse assunto aqui na igrejinha. Até já descrevi uma entrevista de emprego em "Diário de um chimpanzé" - ao qual, diga-se, pretendo voltar em breve.

Pois então. Hoje à tarde tive uma entrevista de emprego numa loja de calçados aqui do shopping. Cheguei à praça de alimentação por volta das 13 e 40, vestindo uma camisa listrada nas cores bege e verde claro, calça jeans preta, e um sapato marrom de camurça puído. Trazia uma pastinha de plástico ridícula debaixo do sovaco, contendo três currículos (ou Curriculum Vitae, como querem os beletristas anacrônicos) e a Folha de S. Paulo do dia. Do meu rosto escorria um suor morno, e a coriza advinda com a gripe carnavalesca me fazia recorrer amiúde ao lenço plúmbeo que fedia a naftalina.

Espantei-me de ver tanta gente ocupando as mesas e circulando pelo local. Aquilo não condizia com a situação econômica descrita diariamente nos jornais. Ou será que o povo não está a par da recessão que nos ronda? Pouco importa. Fiquei embasbacado e tive de ir ao toalete.

Mijei, lavei as mãos e o rosto, depois fui até o bebedouro. Tomei alguns goles d' água gelada e um de água na temperatura ambiente para preservar a voz. A febre e a fadiga gripal dominavam meu corpo. Eu estava a ponto de tombar. Seria o segundo caso de morte no banheiro do shopping. Parece que ano passado um chimpanzé de meia-idade teve um infarto fulminante num dos reservados. Dentro em pouco devem começar a surgir os primeiros relatos de assombração.

Antes de me apresentar para a entrevista, postei-me num banco de madeira defronte da loja por alguns minutos. Apesar de desempregado veterano, as palmas das minhas mãos porejavam suor. Observei os vendedores com o fito de me orientar para um possível teste prático. E se me mandassem atender um cliente, assim, de pronto? Eu teria de rebolar. Hum... Nenhum problema pra quem já dançou na boquinha da garrafa.

13 e 58. Hora de me apresentar. Pé ante pé, entro na loja e finjo examinar vitrines. Um rapazinho de barba rala me aborda e digo vim para a entrevista, saca? Ele saca sim, e me encaminha até uma fileira de assentos ao fundo da loja onde cerca de dez chimpanzés, entre machos e fêmeas, aguardam com o mesmo objetivo que eu: ser feliz (?).

Quero ressaltar o seguinte. Dois homens são dignos da pena de morte: o inventor da dinâmica de grupo. E o tipo que arranca páginas de livros e os vende a sebos ou pela internet. Ambos já me deram muito aborrecimento. O primeiro, em especial, é merecedor de uma morte lenta e dolorosa, porque faz pessoas do mundo todo passar vergonha diariamente. E o segundo... Bem, o segundo é um golpista de quinta. Vejam vocês: tenho um romance (Desonra, de J.M. Coetzee) cujas duas páginas em que o autor descreve a transa de um professor universitário com uma jovem e bela aluna foram arrancadas. Comprei o livro num sebo em BH há cinco anos. Vou reclamar pra quem? Só Deus sabe onde anda o punheteiro que arrancou as páginas lúbricas.

Então fiquei lá na companhia de dez ou doze jovens chimpanzés. Em instantes uma gerente distribuiu formulários para todos. Cada um de nós demorou em média meia hora para preencher os formulários, que continham questões como: qual sua religião?, faz ou já fez tratamento médico?, faz uso diário de algum medicamento?, como você se imagina daqui a dez anos? etc. Em seguida fomos levados até uma saleta na administração do shopping, onde cada qual foi entrevistado individualmente. Acho que me saí bem desta vez. Se bem que já tive essa mesma impressão outras vezes, e no entanto... Mas algo me diz que desta feita será diferente. Aguardem, meus queridos. É provável que eu me torne um vendedor de calçados esportivos.

* Perdoem, mas não resisti ao trocadilho com o título do grande vencedor do Oscar 2009, Quem quer ser um milionário?, de Danny Boyle, ao qual ainda não assisti.

***

Fiquem com esse clipe da balada "Na Pista", dos Paralamas do Sucesso.


quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

De volta ao planeta dos macacos

A atriz Anecy Rocha em cena de A Lira do Delírio (1978), de Walter Lima Júnior

Findos os quatro dias de folia, voltamos à nossa rotina de chimpanzés.

É hora de fazer um balanço da festa: contar os mortos nas estradas, os mortos a tiro, os bêbados mortos, os amores mortos... Triste contabilidade, enfim. Mas sem novidades no front.

Os puxadores de samba (Jamelão odiava que o chamassem assim; dizia que era cantor e ponto), os mestres-salas, as porta-bandeiras, os mestres de bateria, os carnavalescos cairão no ostracismo durante doze meses, após o quê emergirão do anonimato para serem novamente celebrados por todos nós. As rainhas de bateria profissionais (Luma de Oliveira, Luiza Brunet, Adriana Bombom, Viviane Araújo etc.) nos privarão de seu charme e gostosura durante todo esse tempo. Os orixás também voltarão à clandestinidade, como os camelôs e as putas. Nossa sociedade predominantemente católica só os tolera durante o carnaval, quando então podem ser enredo de escola de samba, ir atrás dos trios elétricos (se tiveram 600, 800 reais para comprar um abadá, claro), se vestir de mulher e brincar num bloco qualquer, whatever. Podem até aparecer na televisão - o que, em última análise, os legitima.

Confesso que dei uma espiada nos desfiles das escolas de samba do Rio, de São Paulo, e daqui de Guaratinguetá. Achei tudo muito parecido e, salvo poucas exceções, tedioso. Mas talvez a culpa não seja das agremiações, e sim minha. Fevereiro está sendo o mês mais longo desta minha vida besta. Outra hora eu explico por quê.

Luiz Zanin, crítico de cinema do Estadão, em post recente em seu blog, lembrou que A Lira do Delírio é, provavelmente, o melhor filme brasileiro cuja trama se passa durante o Carnaval. Concordo. Walter Lima Jr. fez um desses filmes que nos encantam pela maneira "despretensiosa" como foram filmados. Tudo parece muito natural: os atores flanam pelos cenários, inebriados, eufóricos, apaixonados. Nada é estilizado. Não é cinema-favela, nem cinema-agreste. É CINEMA e fim de papo.

Convém ressaltar que esse tipo de cinema (naturalista, marcado pela improvisação) não é o único que me interessa. Nem tampouco estou aqui para fazer a defesa irrestrita do cinema nacional. Ocorre que A Lira do Delírio é um projeto nessa linha de dramaturgia calcada na parceria ator-diretor - em que o roteiro é criado conjuntamente, com o mínimo de premeditação - que deu certo. Não por acaso o filme se tornou um clássico.

E mais não digo. Porque já estou ficando pernóstico.(Graciliano Ramos gostava desse adjetivo: pernóstico; seus livros estão cheios dele. Foi assim que aprendi a gostar também.)

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Pot-pourri carnavalesco

Um crime lesa-assalariado

Será que sou o único que se aborrece ao ver funcionários de redes de lanchonetes e lojas de departamentos exibindo petrechos e alegorias em datas como Natal, Carnaval e Páscoa? Corta meu coração ver os pobres coitados vestindo fantasias e enfeites ridículos, ultrajantes. E não venham me dizer que essas pessoas levam tudo na brincadeira! Eles se submetem a isso porque precisam do emprego, da grana, obviamente; pode até ser que eventualmente se divirtam, entrem na dança, por assim dizer. Mas continuo achando isso triste - e sem graça. Por que os funcionários do alto escalão não se fantasiam e macaqueiam durante seu turno de trabalho? Quero ver essa gente com gorro de Papai Noel, peruca colorida, maquiagem de coelhinho da Páscoa e o escambau. Ou será que só quem ganha em torno de seiscentos merréis (meu falecido avô materno dizia assim, merréis, corruptela de mil réis, cousa das antigas enfim) por mês tem o condão de se emperiquitar e sorrir com benevolência para a clientela?

***

Dicas

Um filme assaz mediano para o feriadão:

Batman - O Cavaleiro das Trevas

Um "baile de máscaras" repleto de ação, diálogos mais ou menos tediosos e truques ordinários de roteiro. Não recomendado para crianças - foi essa a impressão que tive quando assisti ao filme. Embora a atuação (triste, muito triste) do falecido Heat Ledger seja notável - porque divertida e assustadora ao mesmo tempo -, há um clima de sordidez e violência que perpassa a maioria das cenas, além de a performance de Christian Bale anular qualquer possibilidade de identificação do expectador com o homem-morcego.

Um filme para se evitar no feriadão:

Última Parada - 174

O diretor Bruno Barreto levou às telas a trajetória de Sandro do Nascimento, o seqüestrador carioca que, no dia 12 de junho de 2000, manteve um grupo de pessoas refém dentro de um ônibus por várias horas, na cidade do Rio de Janeiro. A tragédia resultou na morte de uma jovem (Geisa Gonçalves) e do próprio Sandro, sufocado pelos policiais no interior de um camburão.

Dois ótimos filmes para qualquer época:

Os Donos da Noite

O diretor James Gray (Caminho Sem Volta) realizou não apenas um grande filme policial, mas também um drama profundo e contundente sobre amor fraterno, lealdade, e vingança.

E Superbad - É Hoje

Considerado (erroneamente) por muitos como mais uma comédia adolescente marcada pelo besteirol hollywoodiano, este filme é, sobretudo, um belo elogio da amizade.

Ainda que possam desagradar a algumas pessoas, as piadas e situações cômicas do filme estão todas muito bem contextualizas dentro do roteiro. É o que ocorre também em outra boa comédia dos mesmos criadores desta, Ligeiramente Grávidos - embora neste último haja três ou quatro piadinhas de mau gosto bastante dispensáveis. Se rimos de algumas cenas patéticas e algo grotescas de Superbad, é porque elas nos fazem lembrar de como já fomos ridículos num dado momento da juventude. Não se trata de uma comédia ordinária, em que o único objetivo é levar a platéia ao riso a qualquer custo e o maior número de vezes possível, sem a menor preocupação com a trama, que nesse caso só serve para ligar uma piada a outra, o que também se aplica aos filmes pornôs, se substituirmos as piadas pelas transas. Aqui, as gags estão a serviço do roteiro, e não o contrário.

Superbad traz um velho tema (a passagem da adolescência para a idade adulta) com um novo tratamento, mais sensível e inteligente.

***

Encerrando as dicas, um livro como contraponto à novela Caminho das índias:

O Tigre Branco, de Aravind Adiga.

Sinopse: Um empresário indiano escreve uma carta para o primeiro-ministro chinês tentando explicar o espírito empreendedor de seu país citando seu próprio exemplo.

Um romance criativo e provocador, que deu ao autor indiano o Man Booker Prize, principal prêmio literário europeu para obras de língua inglesa.

***

Vamos acabar com o samba?

Em agosto do ano passado, o cantor João Gilberto fez duas apresentações no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo. Qualquer pessoa que não estava fora do Brasil na semana dos shows se lembra da cobertura grandiosa e deliberadamente entusiasmada que os cadernos de cultura fizeram dos eventos. Fazia cinco anos que o músico baiano não se apresentava na capital paulista. Em comemoração aos 50 anos da bossa nova, João cedeu à insistência de fãs e amigos que queriam vê-lo no palco outra vez. Foi um acontecimento. E por um bom tempo não se falou de outra coisa na imprensa especializada.

Por incrível que pareça, João Gilberto não é unanimidade. À época das apresentações houve quem desse declarações inflamadas e publicasse artigos de repúdio à enorme cobertura dos shows pela mídia. Lembro particularmente da indignação do cantor Agnaldo Timóteo, que, em entrevista a uma rádio carioca, disse: “João Gilberto não canta, não interage, não sorri”, desafiando nossa sociedade hipócrita (sic) a listar as contribuições de João à música brasileira nos últimos cinqüenta anos. Timóteo afirmou ainda que ele sim é um talento raríssimo da MPB.

Outro que manifestou seu desprezo por João Gilberto foi o roqueiro e apresentador de tevê Lobão. Durante um debate num festival literário em Ouro Preto, ele disse ter menosprezado João quando este lhe pediu uma opinião acerca de sua versão para o hit Me Chama, sucesso na voz de Lobão.

É natural que não haja consenso em torno da figura de João Gilberto. Eu desconfio dos que o veneram tanto quanto dos que o tratam com menoscabo. Gosto de algumas canções gravadas por ele e admiro sua vocação para a repetição. Os artistas que se debruçam sobre um mesmo tema, aplicando pequenas e sutis variações a cada nova criação, me fascinam. E João Gilberto é um intérprete desse naipe.

O samba, gênero ao qual João se dedicou amiúde, também nunca foi unanimidade no Brasil. E junto com ele o carnaval. Há quem considere o carnaval uma farra para alienados. Se a religião é o ópio do povo, o carnaval e o futebol são o circo. Pão e circo são indispensáveis para se manter o povo no cabresto, apregoavam os senadores romanos. Mas tachar o carnaval dessa maneira é incorrer em reducionismo. É diminuir a importância de um conjunto de manifestações artísticas que fazem parte da cultura nacional.

Nem tudo nesta festa popular são flores. Mas dizer que o carnaval não passa de uma farra de tolos é um equívoco.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Considerações de um leitor

Tudo que não sei devo às minhas leituras. Como todo mundo. Em qualquer lugar do mundo.
IvanLessa

Eram duas e pouco da tarde. Sentado a uma mesinha quadrada de arestas arredondadas, e com quatro cadeiras desconfortáveis, duas de cada lado da mesa, eu lia os jornais do final de semana na Biblioteca Municipal de Lorena, cidade vizinha à minha. Um pouco sonolento, um pouco faminto, meio desiludido da vida. Desde que meu pai parara de assinar o maior jornal do país, por motivos que não cabe explicitar aqui, eu vivia nessa lengalenga de me deslocar até uma biblioteca pública ao menos uma vez por semana para me manter informado. Acompanhar o noticiário pela tevê não me satisfaz; palavras impressas são, a meu ver, mais dignas de confiança. Ademais, de um modo geral os jornais impressos expõem os fatos com maior riqueza de detalhes – e há sempre os editoriais, as charges, os quadrinhos, entre outros atrativos.

Numa mesinha paralela à minha, três pré-adolescentes cochichavam entre si enquanto faziam o dever de casa. A mais falante delas, uma pretinha jeitosa e lampeira, falava às outras duas a meu respeito. Apurei os ouvidos para tentar entender o que dizia, mas só consegui compreender uma frase, que veio acompanhada de uma gargalhada geral e estridente: Deixa ele em paz. Vai ver ele é feliz assim.

Fiquei pensando no que tinha ouvido, e não consegui mais me concentrar na leitura do jornal. O que ela queria dizer com vai ver ele é feliz assim? Posso estar enganado, mas acho que ela se referia ao fato de eu estar sentado ali, lendo, há mais de uma hora. Para ela, aquilo era incompreensível. Não conseguia imaginar como alguém podia sentir prazer ou satisfação com a leitura de jornais e livros (havia três volumes sobre a mesa). Ler sempre lhe fora uma obrigação à qual encarava resignadamente; a palavra impressa só lhe legara aflição, sofrimento. E de quem era a culpa? Decerto que não era minha. Dos pais? Dos professores? Do nosso presidente: um homem sabidamente avesso à leitura? Não importava. Não era a primeira vez que minha condição de leitor gerava risos e desconfiança em alguém.

O leitor é um palhaço. Ele não inspira respeito como os desportistas. Há basicamente dois tipos de reações geradas por alguém que se declara afeito à leitura: uma solene e exagerada respeitabilidade, e a galhofa. Eu já provei de ambas. Tenho de confessar que a primeira é a que me diverte mais, embora às vezes cause um certo desconforto. Quando alguém “descobre” que sou um leitor inveterado, tenta se aproximar referindo o último livro que leu, o avô ou o bisavô que era um grande leitor, os títulos lidos a contragosto para o vestibular. Enfim, ninguém quer falar de futebol com o leitor. Quando muito, de cinema. Acham que o leitor ou é gay ou é broxa, porque não falam de mulher com ele. Espantam-se ao ver o leitor ingerir bebida alcoólica, ou comer carne vermelha. Se o leitor está meio infeliz num dado dia e não interage amiúde, correm a buscar-lhe um livro, revista, manual de instrução que seja, a fim de animá-lo. O leitor não tem sossego.

Muitos tratam o leitor como um sacerdote. Admiram sua vocação, mas agradecem a Deus por não serem investidos dela. O homem que lê vale mais. Quem foi o imbecil que disse isso? Por certo que pretendia zombar da cara dos leitores, além de complicar-lhes a vida. Uma postura arrogante adotada por um certo grupo de intelectuais ao longo do tempo acabou por contribuir para que os letrados passassem a ser vistos como uns onanistas esnobes, tão alienantes quanto alienados. Sinceramente, não ligo que zombem de mim; isso me diverte. Incomodam-me mais os que me tratam com ar cerimonioso só porque gosto de letrinhas que, juntas, formam sílabas, que por sua vez formam palavras, que formam frases, que compõem parágrafos etc. etc. O que há de especial nisso, minha gente? Vamos comer, vamos beber, trepar, rezar, festejar, chorar... Deixem os livros abertos. Deixem as portas, janelas e balcões abertos também, como naquele poema de Garcia Lorca*. É possível ler sem fechar os olhos para o mundo, sim. Uma obra é uma extensão de um destino humano e vice-versa. Ambos não são inconciliáveis.

Por que perco meu tempo com isso? Não sei.

Vai

ver

sou

feliz

assim.
***
Despedida*

Se eu morrer,
deixai o balcão aberto.

O menino chupa laranjas.
(Do meu balcão eu o vejo.)

O segador sega o trigo.
(Do meu balcão eu o sinto.)

Se eu morrer,
deixai o balcão aberto!

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Haja vaselina!


Primeiro, leiam um trecho desta notícia:

O Ministério da Saúde gastou R$ 1,1 milhão no final do ano passado com a compra de 15 milhões de sachês de gel lubrificante que devem ser distribuídos durante o ano de 2009. O produto é indicado para o uso em relações anais de grupos mais expostos ao contágio do HIV: travestis, homossexuais e profissionais do sexo.

Agora, deleitem-se com o início do artigo que a jornalista Ruth de Aquino publicou na revista Época do dia 09/02:

Agora entendi o verdadeiro destino dos 15 milhões de sachês de gel lubrificante comprados pelo Ministério da Saúde para distribuir no Carnaval. O castelo do corregedor da Câmara, Edmar Moreira, é difícil de absorver a seco. Dói nas entranhas da consciência brasileira a empáfia do deputado: “Renunciar por quê? Estou sendo condenado por qual tribunal?”. O pior é que Edmar está certo na presunção da impunidade. Ele conhece seus colegas pelo avesso do avesso do avesso.

Clique aqui para ler a íntegra do artigo da Ruth. Vale a pena. Pois, ao contrário do castelão sinistro e brega do Ed, desce suave, dispensando assim a necessidade de lubrificante.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Kate é minha musa


A exatos seis dias da cerimônia do Oscar 2009 - da qual, ao que tudo indica, a atriz britânica Kate Winslet sairá consagrada -, blogueiros e escribas em geral decidiram proclamar seu amor à musa. E eu confesso que, não obstante contente de constatar quão grande é o número de admiradores da atriz, fiquei com uma ponta de ciúmes.

É mulher pra vida inteira

Queria Kate só para mim. Afinal, nossa relação é antiga. Me apaixonei por ela numa sessão de cinema lotada do Taubaté Shopping. Em 1998 embarquei, como todo bom chimpanzé, naquele transatlântico saído de Southampton (Inglaterra) - Deus abençoe o Google! - rumo a Nova Yorque. Mas, ao contrário de Leonardo DiCaprio, não morri congelado nas águas do Atlântico, depois que o Titanic naufragou.

A "gorducha" mais sexy da história do cinema

Nascia ali, naquela sala de cinema superlotada, uma história de amor que, como vim a descobrir mais tarde, começara a brotar alguns anos atrás, num filme mediano de Peter Jackson, Almas Gêmeas, ao qual eu assistira uma madrugada na Bandeirantes, atual tevê Band. (Mudou o nome, mas a programação continua uma merda).

Kate, aos 19 anos, em Almas Gêmeas

Senti palpitações não apenas em face da beleza clássica de Kate (a quem, aliás, alguns ditadores da moda acusam injustamente de gorda; ela sempre foi muito gostosa), mas também pela dimensão do seu talento. Não é de admirar que DiCaprio não tenha sido indicado ao Oscar por Titanic: a grandeza de Kate em cena faz dele, no máximo, um adolescente com futuro promissor.

Ainda por cima é simpática

Vi quase todos os filmes em que Kate Winslet atuou. Almas Gêmeas, sua estréia no cinema, já nos apresentava um diamante bruto que necessitava ser lapidado. No seu trabalho seguinte, Razão e Sensibilidade, sob direção do experiente Ang Lee, Kate brilhou ao lado da veterana Emma Thompson, e ganhou o Globo de Ouro de melhor atriz coadjuvante, além de ter sido indicada ao Oscar de mesma categoria. Titanic, de James Cameron, lançou a então quase desconhecida atriz ao estrelato, e lhe valeu outra indicação ao Oscar, desta vez como melhor atriz. Em seguida veio Contos Proibidos do Marquês de Sade, no qual ela interpreta uma serviçal de um manicômio francês, no século XVIII, fascinada pelos dotes de um interno maldito, o Marquês de Sade, vivido pelo sempre ótimo Geoffrey Rush. Seguiram-se outros trabalhos importantes como Íris (pelo qual foi mais uma vez indicado ao Oscar de melhor atriz coadjuvante); A Vida de David Gale, de Alan Parker; Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, no qual fez par com Jim Carrey (outra indicação ao Oscar de melhor atriz); Em Busca da Terra do Nunca, em que contracenou com Johny Depp; e Pecados Íntimos, em que interpreta uma esposa infiel e mãe negligente.

Dá vontade de levar pra casa e botar no colo

Atualmente, Kate pode ser vista (não aqui em Guaratinguetá, claro) em dois filmes em cartaz: O Leitor e Foi Apenas Um Sonho. Ambos lhe valeram, respectivamente, o Globo de Ouro de melhor atriz e melhor atriz coadjuvante deste ano. Seu trabalho no primeiro pode lhe dar finalmente a estatueta de melhor atriz no Oscar do próximo domingo, e colocá-la de vez no rol das melhores atrizes da nossa época.


Esse olhar fulmina qualquer chimpanzé


De minha parte, só posso dizer que torço para que minha musa continue a fazer filmes interessantes. Se bem que, até nos filmes ruins ou regulares em que atuou (Fogo Sagrado, Enigma, O Amor Não Tira Férias), Kate conseguiu sair ilesa.


A mulher é danada!

domingo, 15 de fevereiro de 2009

E por falar em baiano...

Eu não conhecia essa canção da fase áurea de Caetano Veloso. Muito bonita.

Indicação do Rogério Skylb.

Caetano Veloso - José

Saudade dos pés de pitanga!

Abstive-me (caprichei na ênclise, hein!) de escrever aqui no blog por alguns dias porque ando com um perigoso pendor para a confissão. Podia acontecer de eu fazer certas revelações das quais me arrependeria em seguida - ainda que ninguém leia este blog.

Acho que a culpa é do mau tempo. Essa umidade ubíqua, essa falta de vitamina D, já que o Astro Rei há muito não dá as caras. A roupa que não seca no varal. O musgo que vai se formando nas paredes e nos corredores. As "nuvens de magnésia bisurada" de que falou Mirisola a estofar todo o zênite... Agora sei por que o índice de suicídio nos países nórdicos é tão alto.

E, pior que tudo isso, a necessidade diária de se defender da vida. E ter de manter-se a par do que acontece no mundo e logo mais ali, na pracinha do bairro e arredores. Quando não somos assaltados pelo desejo de sair por aí "à procura da felicidade" ou "da batida perfeita", sem o respaldo do cachê milionário de Will Smith nem a pinta de maconheiro-pensador de Marcelo D2.

Ah, andando pelas ruas do centro, encontro cães vadios e donas-de-casa acompanhadas da prole revirando o lixo da gente de posses. Penso um pouco. Mas e o Bolsa Família? Então a bengalada de Deus estala na minha testa: homem de pouca fé!

Não posso pagar três reais por um suco de laranja. Muito menos cinqüenta pela trinca de romances daquele escritor cubano de que falam tão bem. Por sorte não preciso levar meus cachorros para receber tratamento de beleza numa pet shop. A dupla de vira-latas aqui de casa se contenta com um banho de mangueira e sabonete antiparasita uma vez por mês. Sem mencionar o fato de eles não darem a mínima para essa "frescura" de vida cultural. Que inveja!

Saudade dos pés de pitanga! Não estou ficando maluco, não. Minha avó confirmou: havia mesmo um senhor que vendia pães de porta-em-porta com uma barra-forte vermelha. Lembro bem do cesto de bambu em que ele carregava os pães deliciosos e da toalha branca com que o cobria. Aliás, fecho os olhos e posso sentir o gosto do pão de leite que o tiozinho vendia. O melhor que já comi até hoje.

Sobre o que era este post mesmo? Lembrei. Sobre meu pendor para a confissão e o bolor que está lastreando pela casa. Deus esteja.

Ontem o Guaratinguetá meteu quatro no São Caetano e renovou nossas esperanças de um futuro melhor.

Quem ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim? Um filme peruano cujo nome agora me foge.

Que mais aconteceu de importante esta semana? Não sei se interessa, mas dois satélites (um americano e um russo) colidiram no espaço. O americano estava operante; o russo, desativado. Ambos viraram poeira. Ninguém se feriu.

A gente só se dá conta de que o mundo não acabou quando vê um calouro denunciar “abusos” em trotes universitários. Quando pipocam flashes televisivos sobre os últimos ensaios das escolas de samba antes do carnaval, além dos palpites e fofocas acerca da cerimônia da entrega do Oscar. Tudo bem misturado com denúncias de corrupção, violência em terras nacionais e estrangeiras, captura de megatraficantes, nosso Lula em campanha país afora, adentro.

Como diria o grande poeta baiano-marciano, já falecido, Waly Salomão – me segura que eu vou dar um troço!

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O homem está condenado a ser livro

(mais um texto da série eu já fui mais romântico - ou piegas?)

Para os amigos Bianca e Alexandre

Acaba de acontecer algo no mínimo curioso. Estava eu transcrevendo aquela máxima de Jean-Paul-Sartre que diz “o homem está condenado a ser livre”, e quando notei havia escrito do modo como está aqui em cima. Vejam bem: condenado a ser livro. Mais uma vez sou surpreendido pelo acaso. O que me induziu ao “erro” pode ter sido simplesmente uma distração no digitar; todavia existe a possibilidade do ato falho.

Não convém ficar refletindo sobre o fator gerador do equívoco. Afinal as possibilidades são muitas. Entre o ter tido a idéia de digitar a frase acima e ter realizado o ato em si, pouco tempo se passou. E acredito que, nesse ínterim, muitos fatores e forças ocultos à minha vontade contribuíram para que essa pequena mágica fosse possível. Agora é desfrutar desse momento de glória. Sorver esse caldo bom até a sua última gota. E acreditar que o extraordinário pode, sim, pôr abaixo a tranqüilidade de um ato aparentemente corriqueiro.

Ao apostarmos nossas fichas num jogo qualquer, nós corremos o risco de colocarmos tudo a perder. Somos responsáveis por nossos próprios atos. E isso amedronta alguns e alivia outros. Cada passo dado. Cada gesto. Cada palavra. Sofremos as conseqüências de cada movimento nosso, e até mesmo de cada pensamento.

Eu, por exemplo, me arrisquei ao tomar a iniciativa de digitar aqui a frase de Sartre. Poderia ter ficado angustiado por não conseguir pensar em nada para escrever depois. Ou poderia ter descoberto - como o garoto que, já crescido, descobre que super-heróis não existem - que a frase simplesmente não me dizia nada. Que era vazia. Carente de significado. Mais ainda assim fui adiante. Encarei esse desafio mesmo sabendo de seus desdobramentos possíveis. E cá estou eu, mais uma vez, alumbrado pela descoberta da força das palavras. E do quanto os homens somos capazes de nos renovar por meio delas.

Posto isto, vale dizer que acredito na renovação da vida tal qual na renovação da linguagem. E que o aprimoramento da linguagem pode resultar na oxigenação da vida. Uma vez que a expressão é o meio que o homem utiliza para se posicionar em relação ao outro, bem como para tornar mais aguda sua percepção do mundo.

E não me surpreende, pelo contrário, me anima, o fato de a humanidade estar retomando pouco a pouco o contato com a palavra escrita, que há muito havia se perdido. O mundo hoje é paradoxalmente mais, por assim dizer, literário. Ao contrário do que muitos imaginavam, o advento do audiovisual não pôs fim a nossa rica tradição literária. O que ocorreu na verdade foi uma mudança no veículo de transmissão, tanto do discurso falado quanto do oral. Outra vez nos adequamos a um novo cenário mundial e mantivemos vivo o que de melhor conquistamos ao longo de nossa existência. E é justamente por isso que não podemos subestimar a força da palavra – que é capaz de nos prover maravilhas no campo das humanidades, mas que também pode ser instrumento de terror e destruição, pois o coração do homem é ao mesmo tempo claro e escuro.

E eis que, sem menos esperar, a palavra escolhida nos fere de morte. Fere de morte o médico e o poeta; a mãe e a criança. E no entanto brilha, espalhando seu poder de encantamento. Nos levando num segundo de um porto a outro, muitas vezes por mares agitados. Causando fascinação e náusea. Trazendo à superfície o homem e o que é do homem, mesmo que para isso seja ela própria sua genitora; macho e fêmea. Mesmo que para tanto tenha de sofrer no parto, muitas vezes fazendo sua própria cesariana.

07/09/2005

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Pequerrucho Fuça-Fuça foi à escola... e chorou

"Certa vez - e que linda vez que isso foi! - vinha uma vaquinha pela estrada abaixo, fazendo muu! E essa vaquinha, que vinha pela estrada abaixo fazendo muu!, encontrou um amor de menino chamado Pequerrucho Fuça-Fuça..."

Essa história contava-lhe o pai, com aquela cara cabeluda, a olhá-lo por entre os óculos.

Ele era o Pequerrucho Fuça-Fuça que tinha encontrado a vaquinha que fazia muu!
descendo a estrada onde morava Betty Byrne, a menina que vendia confeitos de limão.
James Joyce / Retrato do Artista Quando Jovem



Samuel, quer dizer, Pequerrucho Fuça-Fuça, aos dois anos, encantado com a bexiga

Dos dois aos seis anos de idade fui um peixinho preto de olhos esbugalhados, e vistosas barbatanas, no aquário de tio Luis. Eu era o encarregado de limpar a sujeira que aderia ao vidro daquela caixa retangular de sessenta centímetros de comprimento por trinta de altura. Há uma espécie de peixe ornamental indicado para auxiliar na manutenção de aquários por se alimentar de restos de algas e do limo que se acumula no vidro. Bem, eu era um desses. Foram quatro dos melhores anos de minha vida. Fiz boas amizades e entabulei um romance com uma fêmea de Helostoma temminkii, popularmente conhecido como peixe beijador, que acabou me trocando por um peixe-gato de irreprochável má fama. Que fazer se elas preferem os cafajestes?

Mas tive de abandonar o exílio no aquário a fim de ingressar na vida escolar.

Minha mãe levou-me pela mão até a singela escolinha do bairro, onde todos os meus amigos mais velhos (a maioria dos meus amigos era de mais idade) já estudavam. Eu pulava de alegria por saber-me possuidor de um imponente arsenal de material escolar. Fugaz alegria. O estojo de lápis importado, que de tão grande mal cabia na carteira da menina de trancinhas e olhinhos puxados, tratou logo de sobrepujar qualquer vestígio de gáudio. Pus o rabo entre as pernas e me concentrei em apreender a cantiga que tia Ruth, a descendente de alemães de 1,90 m, olhos cinza escuros e membros de fazer inveja a qualquer halterofilista, tentava ensinar ao bando de filhotes que ainda não se tinham restabelecido por completo do berreiro que haviam armado.

Aprendi o bê-á-bá, fiz outras amizades, e comi muito sagu. Mais tarde debutei no catecismo. A santíssima trindade nos foi empurrada goela abaixo. Salve rainha; ensaio da confissão; Marcelino, Pão e Vinho. O padre José nos maldisse pela nossa inépcia religiosa. Rodrigo mandou-o tomar no meio do c... e foi excomungado. Anos depois obteve o perdão de João Paulo II e retornou ao seio da Santa Igreja. A caminho da escola passávamos pelo sobrado em que morava a loira peituda que gostava de se exibir pra nós em trajes mínimos – só uma vez a epifania de vê-la nua em pêlo, e põe pêlo nisso! Eu tinha um caderno de caligrafia. Um vira-lata neurastênico. Um pai acoólatra. Uma angústia da dimensão de Júpiter que me assaltava aos domingos. E um tesão precoce pelo cabaço que iria perder aos quinze, com uma das mucamas que trabalhavam na Casa Grande.

Em pouco mais de dois anos fui remanejado para uma escola cuja construção datava da primeira metade do século XX. Um casarão com escadas, portas e janelas enormes - projetado para abrigar a juventude bem-comportada do período entre a primeira e a segunda grandes guerras.

De que eu me recordo dessa colônia penal? Que me meti numa briga com um moleque mais forte do que eu e fui obrigado a fingir um desmaio na quadra de esportes. Que ia pra escola de ônibus e fiz amizade com um cobrador. Fui ludibriado por uma garota que pintava os cabelos de vermelho e gostava de rock-and-roll. E que a partir da sexta série me tornei uma negação em matemática. Ah, também não posso deixar de registrar que passei muita vergonha e fiz papel de palhaço numa excursão escolar ao Playcenter. Que me tornei um ansioso crônico. E que me meti a dramaturgo, pintor, e contista – tendo fracassado em todas essas frentes.

Mas não me arrependo de nada. (Quer dizer, só de ter dado um chute na bunda do Frederico, que não o merecia). E, se preciso – e possível - fosse, encararia o ensino básico outra vez, com um pouco mais de bagagem, o que seria ótimo.


Pois bem. Hoje, meu irmão, Pequerrucho Fuça-Fuça, de quatro anos, foi à escola pela primeira vez. Desde que soube que ia entrar para a escolinha, ele se mostrou bastante seguro e entusiasmado. Só que, como dizem lá em Portugal, na prática a teoria é diferente. E pequerrucho acabou sucumbindo à vontade de chorar, quando minha mãe o deixou na sala de aula, em companhia de outros vinte e poucos pimpolhos.

De volta a casa, Pequerrucho Fuça-Fuça me contou como fora seu primeiro dia de aula:
- Eu fui na escola e não chorei, Bu. A professora não deixou a gente desenhar, mas deixou jogar bola.

- Que bom, Pequerrucho! O Bu já sabia que você ia tirar de letra. E amanhã, você vai de novo?

- Ah, eu tava pensando em faltar amanhã.

Tentei fazê-lo reconsiderar a idéia, mas ele ainda está reticente.

Que a vida escolar de Pequerrucho Fuça-Fuça, que nunca foi um peixinho de aquário, seja mais próspera que a minha.

Piada de judeu

Acompanhava a cobertura das eleições para o parlamento de Israel pela tevê, quando um repórter perguntou a um judeu ortodoxo em quem ele havia votado:

- Em ninguém, respondeu. Não quero influenciar a decisão de Deus!

Na hora, não consegui segurar o riso. Mas qual não foi a minha surpresa quando, ao acessar a internet hoje na hora do almoço, fiquei sabendo do impasse nas eleições israelenses.

Salve a sabedoria popular: "Quem ri por último ri melhor."

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Ontem faltou água, anteontem faltou luz*

Sem água encanada nem energia elétrica voltamos à Idade Média.

Ontem, um problema técnico na estação de tratamento de água da cidade suspendeu o abastecimento durante mais de doze horas. Por volta das três da tarde a água começou a escassear. Em pouco tempo não havia mais uma gota sequer nas torneiras. Ficamos dependentes da água armazenada na caixa, que com alguma economia (banho decente nem pensar!) supriu nossas necessidades até o início desta madrugada, quando então amargamos uma seca total.

Fui dormir às 3:30 da madrugada. Ainda não havia água. O abastecimento só foi normalizado no início da manhã. Desconheço o motivo do problema. Contudo, um dia assim nos dá uma idéia do quanto sofrem as populações que convivem diariamente com uma severa escassez de água. Penso nas gentes sertanejas. Em algumas tribos do Oriente Médio. Na “gente humilde” do litoral, que agora no verão tem o fornecimento comprometido em razão da descida em massa da classe média para a praia. Mas não só neles. Há muitas regiões em que a oferta de recursos hídricos é precária. Como vocês sabem, a água potável do planeta está cada vez mais rara. E, segundo os estudiosos mais pessimistas (ou realistas?), dentro de 25 anos enfrentaremos um grave problema de falta d’água.

As fortes chuvas desta época costumam provocar constantes blecautes. Só este mês já houve dois aqui na cidade. Foram breves e não causaram prejuízos. Nada comparável aos apagões do início da década – quando vivemos literalmente nas trevas. Li muito à luz de velas nesse tempo. Quase ateei fogo no meu colchão. Fazia curso técnico em administração à noite e lembro que ficamos no escuro algumas vezes. Gritaria e tumulto nos corredores da escola. As meninas reclamavam do assédio. Não passei a mão em ninguém – e acho que não passaram a mão em mim. Meu amigo Carlos deve ter bolinado algumas garotas; ele tem cara de sex offender. Brincadeira, Carlos!

E justamente ontem, dia da seca, eu assisti a uma reportagem no canal do Edir Macedo sobre uma tribo primitiva da Nova Guiné que, entre outras excentricidades, mora em casas nas árvores. São cerca de trinta pessoas que habitam uma floresta, da qual tiram tudo que necessitam para sobreviver. Eles não conhecem energia elétrica nem tampouco água encanada. Falam um dialeto milenar e quase não têm contato com a civilização. Vivem em harmonia com a natureza. Conservam costumes para nós muito estranhos, como o de andar nus, apenas de tapa-sexo, e, no caso das mulheres, o de se “enfeitar” com cicatrizes feitas com lenha em brasa. Outra coisa que me chamou a atenção foi o fato de eles sacrificarem membros da tribo que contraem doenças incuráveis. Visto que vivem em condições precárias, não é raro que algum deles caia muito doente e acabe sendo morto pelo grupo. Ou seja, eles praticam eutanásia há milênios. E isso me fez lembrar imediatamente de Eluana Englaro, a italiana de 38 anos que há dezessete vivia em estado vegetativo, morta ontem após ter sustados os canais que a alimentavam e hidratavam. O pai dela ganhou na justiça o direito de pôr fim ao sofrimento da filha. Eluana entrou em coma irreversível após sofrer um acidente de carro.

* Verso da canção Eu era um lobisomem juvenil, da Legião Urbana.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Mais uma do bardo (Positively 4th Street)

Prestem atenção a esta letra. É simplesmente genial.

Os chimpanzés também amam

Era uma vez um chimpanzé criado em cativeiro que resolveu montar uma barraquinha de beijos no seu terreno. Dado que seus tratadores não opusessem resistência alguma ao projeto, o chimpanzé levou a idéia adiante. Em poucos dias a barraquinha ficou pronta. Mas, tal qual constava das previsões mais realistas do símio, em algumas semanas de funcionamento quase não houve demanda por seus beijos. Então o chimpanzé quedou-se lá, melancólico e desapontado, os beiços doloridos de cãibra por estarem sempre apostos para o beijo, atrás da sua modesta barraquinha construída num canto do quinhão de terra que sempre lhe coubera.

Porém, às vezes alguém que por acaso passasse pela barraquinha se apiedava da sorte do chimpanzé e lhe atirava algumas bananas de consolo - o que, se não fazia com que ele se alegrasse, ao menos alimentava sua esperança de um dia distribuir seus beijos em larga escala.

Era uma vez um chimpanzé que tinha muito amor para dar.

***
Dois livros que não consigo terminar de ler: Henderson, o Rei da Chuva, de Saul Bellow, e Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa. O primeiro porque é muito chato. E o segundo porque é longo e possui uma característica que convida o leitor a apreciá-lo em partes: é uma compilação de fragmentos que o grande poeta português escreveu durante anos, e os quais não chegou a ver publicados.

Saul Bellow foi um grande escritor. Há dois anos li um romance seu intitulado O Planeta do Sr. Sammler, verdadeira obra-prima da literatura americana. Mas esse Henderson, que comprei num sebo por UM REAL, é difícil de encarar. Curiosamente, Bellow declarou uma vez ser esse um dos livros que mais se orgulhava de ter escrito. Entendo que cada autor mantém uma relação de admiração distinta com suas criações, mas daí a considerar Henderson como seu maior livro... Sei não. Convém deixar claro que não se trata de um romance abominável; tem suas (incontestáveis) qualidades. Saul Bellow foi um dos maiores prosadores americanos do pós-guerra, disso ninguém discorda. Mas essa história do milionário estadunidense que resolve excursionar pela África a fim de encontrar o sentido da vida não conseguiu me cativar.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Meu amigo de Pasárgada

Não é surpresa pra ninguém que sou grande admirador do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, considerado por muitos nosso maior nome da poesia. Mas, se um dia um... gênio, vá lá, surgisse diante de mim e me facultasse a possibilidade de conhecer um poetastro nacional, eu escolheria Manuel Bandeira.

Não li Bandeira tanto quanto li Drummond. Mas posso dizer sem medo de errar e com alguma pieguice que ambos formam a dupla dinâmica da poesia brasileira: Batman e Robin – como escreveu Fabrício Corsaletti em sua deliciosa coletânea de contos, King Kong e Cervejas.

No entanto, não é possível precisar qual é o homem-morcego e qual é seu fiel escudeiro. E paro por aqui com esse negócio de Batman e Robin a fim de não denegrir inconscientemente a imagem dos bardos, de sorte que a dupla de super-heróis da DC Comics possui a fama de... Bem, vocês sabem.

Quero mesmo é chamar sua atenção para um livrinho de crônicas de Manuel Bandeira com o qual tive a sorte de topar numa das estantes da Biblioteca Pública de Lorena, nesta segunda-feira. Trata-se de Colóquio Unilateralmente Sentimental, uma compilação de textos que o autor de Libertinagem escreveu exclusivamente para o programa de rádio chamado Quadrante, da Rádio Ministério da Educação e Cultura, nos anos 1962 e 63.

A seguir, alguns trechos do livro:

Outro dia foi meu tio Antonico que me surpreendeu, dizendo ao amigo Fiúza: - Quando você ia colher os cajus, eu já voltava com as castanhas!

Surpresa maior, porém, foi o que disse à minha avó uma sua amiga, ouvindo-lhe queixas de achaques que não cediam aos remédios: Minha Dona França, deixe a natureza obrar!

Essas foram frases ouvidas na infância e então me soaram insólitas e inexplicáveis. Adulto, ouvi outras, sem nenhum mistério, mas igualmente surpreendentes. Assim, a de uma dessas pretinhas de Copacabana, cabelizadas e maquiladas, que tratava emprego com a senhora:

- A que horas a senhora janta?
- Às oito horas
- Não pode ser às sete?
- Quem marca os horários das refeições em minha casa sou eu, não a cozinheira.

A pretinha então, muito gentil:

- Claro, não leve a mal que eu pergunte: não vê que eu sou mulher da vida e tenho de noite o meu trabalho lá fora.

(Frases)

A respeito do amigo Mário de Andrade, o poeta escreveu:


Mário de Andrade gostava de repetir que era um homem feliz. Feliz daquela felicidade em que a própria dor é um elemento dela.

E citando o autor de Macunaíma:

“(...) Os nossos estudantes de música ficam em casa batucando o pianinho. Não podem ir ao teatro porque é caro. O povo fica em casa imaginando um jeito de pagar o imposto da semana. Não pode ir ao teatro porque é caro. E a nacionalidade também fica em casa, errando português e sentindo preguiça.”

(Mário de Andrade, animador da cultura musical brasileira)

A propósito de um episódio de vandalismo no Rio de Janeiro:

Eu tinha visto o que fizeram com o Obelisco: emporcalharam-lhe toda a base com letreiros, e quem o fez não foi qualquer pobre diabo homem-do-povo, a soldo de propaganda eleitoral: foram estudantes, rapazes que se presumem educados. Não acharam melhor meio de reclamar mais vagas nas escolas superiores senão borrando um monumento da cidade!

(Bandeira e o Obelisco)

Quando recebeu uma boa quantia em dinheiro de um seu editor sueco, Bandeira exultou, meio incrédulo:

“Viva a Suécia!”

E acrescento agora um “Viva os Estados Unidos!” Bem entendido, não é só para fazer raiva aos comunas, isso eu faço bebendo muita Coca-Cola, coisa de que até eu não gostava, mas aprendi a gostar para fazer raiva aos comunas.

(Direitos Autorais)

Um pândego esse Manuel Bandeira, não? Por isso eu gostaria de ter sido seu amigo. Amigo desse sujeito que gostava de carnaval, de futebol, de Coca-Cola, de música e de poesia, ao que tudo indica com a mesma intensidade. Que se achava feio (..., visto que não gosto, não gosto nunca da cara que Deus me deu, Deus me perdoe!); que repudiava os rebeldes sem causa, os vândalos, e os políticos que enfeiam as cidades com propaganda eleitoral.

Esse notável livrinho de crônicas editado pela Record em 1968 é uma pequena mostra de como o autor de Estrela da Vida Inteira foi também um excelente prosador.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

De ex-pecadores e ex-terroristas

Do blog da jornalista Barbara Gancia:

1. E já que o assunto é religião ou a fé embalada para consumo, que tal estas camisetas lançadas pelo Movimento Pela Paixão de Cristo, dos EUA?


Além do modelo acima, existem também as versões “Ex-fornicador”, “Ex-homossexual” e “Ex-Escravo” (?)

Mas é como dizem: todo “ex-masturbador” e “ex-fornicador” deveria ter uma segunda camiseta com a frase “atual mentiroso”...

2. União Européia pede ao Brasil que reconsidere caso Battisti

"O parlamento de Estrasburgo ficou calado até o último minuto, mas acabou passando resolução pedindo ao Brasil que reconsidere o refúgio concedido a Cesare Battisti, levando em conta os acordos bilaterais assinados pela UE e o Brasil.Em nota oficial, a UE afirma que “a sentença emitida pela Itália respeitou os plenos princípios de legalidade que servem de fundamento para a União Européia”.

Digo e repito: na hora em que os amiguinhos tapuias do criminoso italiano perpetraram a burrada, eles não tinham noção do que estava por vir, não é mesmo, eminente jurista Dalmo Dallari?

***
1. Os Estados Unidos são mesmo uma nação incrível. Concentram em seu território desde grupos religiosos ultraconservadores até a maior indústria de pornografia do mundo. Há estados americanos em que as práticas de sexo oral e anal são ilegais. Por outro lado, a cidade de São Francisco, na Califórnia, onde aliás o casamento entre homossexuais é permitido por lei, é a capital mundial dos gays. Se você está a fim de sair do armário e ser feliz sem dar satisfação a ninguém, tem de mudar-se para lá. Ir para Cuba ou para algum país islâmico, nem pensar. Depois não digam que eu não avisei. Se bem que, como li outro dia numa revista, o governo da Indonésia - país com a maior população de muçulmanos do planeta - mandou construir um banheiro para uso exclusivo dos alunos transsexuais em cada escola pública. Uau! E eu que pensava que na Indonésia só havia praias deslumbrantes e dragões-de-komodo. Que nada! Lá também há vida inteligente.

Quanto às camisetas cristãs, será que a moda pegaria no Brasil? E se pegasse, que frase você estamparia na sua camiseta: ex-pecador, ex-petista, ou ex-corintiano?

***
2. Caso Cesari Battisti. Vocês leram a carta de misericórdia que o ex-terrorista divulgou na imprensa brasileira? Quase fiquei com pena dele. Mas continuo achando que ele tem culpa no cartório. E vejam que não sou o único: agora a União Européia pediu que o Brasil devolva Battisti à sua pátria-mãe. Não bastasse o pedido formal do parlamento europeu, o ex-esquerdista perdeu ainda uma importante aliada, a primeira-dama francesa Carla Bruni, a feiosa da foto abaixo. Ela negou recentemente que tenha intercedido a favor de Battisti junto ao governo brasileiro, mas há quem assevere que ela tenha movido uns pauzinhos para garantir o asilo político ao compatriota. A julgar pela influência do maridão da musa na política internacional, o italiano sofreu uma baixa considerável.

Que os ex-masturbadores não vejam esta foto

Mas chega de Cesari Battisti. No momento, as únicas coisas oriundas da Itália que me interessam são o livro-reportagem Gomorra , de Roberto Salviano, e o filme homônimo baseado nele, que (merda! merda! merda!) está em cartaz apenas nas grandes capitais do País.

Marley & Eu o cacete! Eu quero cinema DE VERDADE!

E mais não digo. Até.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Diário de um chimpanzé (IV)

As inflexões de tristeza nos rostos dos velhos que disfarçam sua solidão nos bancos da praça parecem prenunciar a hecatombe. E os pombos, esses roedores alados, são os arautos do Apocalipse. O calor abafado desse dia de céu cinzento dá a exata medida do desespero latente sob as almas dos que têm pilhas de contas a pagar e diversos problemas amorosos /sexuais a resolver. Cada criança que passa por ele de mão dada com a mãe revitaliza num átimo sua esperança de um futuro melhor (?). Mas as mulheres palradoras e excessivamente atraentes que se insinuam para a vida com o mesmo despudor com que subjugam os amantes quando do amor provocam em seu âmago um frisson adolescente que o devolve imediatamente à condição de misantropo. Apaga-se a sensação de que ele é, de uma certa maneira, mais consciente do que se passa no mundo do que o ordinário. Ao passar diante duma loja de eletroeletrônicos, vê sua imagem refletida num aparelho de tevê retangular de cinqüenta e quatro polegadas e apressa-se em desfazer esse sentimento de horror. Em redor do chafariz onde brincam crianças serelepes sob o olhar vigilante das mães, percebe uma concentração de quatro ou cinco pesquisadores uniformizados de uma escola de informática. Tenta escapar mas é tarde: uma garota morena e baixota o interpela e pergunta se gostaria de fazer um cadastro para concorrer a uma bolsa de estudos de cinqüenta por cento.Normalmente teria respondido não, mas aquele não era um dia comum. Sorriu debilmente e informou seu nome e telefone à garota. Ela não pôde conter sua felicidade. Em média quantas pessoas conseguia conquistar por dia?

- Idade?
- Oitenta e dois.
- Estado civil?
- Escravizado por uma sílfide castradora.
- Filhos?
- Três ogros, dois zumbis e uma sereia.
- Profissão?
- Prestidigitador.

Por fim, ganha um cupom para depositar numa urna de prata fincada no topo da colina mais alta e distante. Há uma urna de prata hermeticamente fechada na ante-sala do seu peito. Pergunta se ela não quer depositar um cupom nela mas a garota declina. Covarde! Babaca! Decepcionado, ele lhe dá as costas e segue para a disneylândia mais próxima. Encontra o gado de sempre pastando por entre as estantes das Lojas Americanas. O ar condicionado refresca seus espíritos. Perde seu tempo procurando um filme genial e barato na seção de DVDs. Uma vendedora pára a seu lado e pergunta as horas: quinze para as onze, responde. Que saco! A hora não está passando hoje. Ele entende sua indignação. Quem é que está refreando os ponteiros do relógio? Quem se mete a deter o tempo universal? Então lhe vêm à cabeça imagens de um documentário sobre o Universo a que assistira na madrugada passada na companhia do irmão do meio. O Big Bang e a formação das galáxias... O surgimento da vida na Terra ao acaso. As forças e os elementos da natureza descobertos por gênios como Einstein (ele se lembra só de Einstein, mas, justiça seja feita, há outros cientistas tão importantes quanto ele que contribuíram para a aquisição do conhecimento que hoje dispomos sobre o nosso planeta e o Universo). Os buracos negros. E sobretudo o desconhecido: a tal matéria escura presente na quase totalidade do Universo e sobre a qual os cientistas não sabem praticamente nada. Nada. Esse tipo de documentário sempre o deprimiu porque dá a medida justa da sua insignificância. Nem o fato de saber que seu corpo é feito da mesma matéria que compõe as estrelas o conforta. Programas jornalísticos sobre o Aquecimento Global e assuntos correlatos também o deprimem. Como é frágil e patético! Outra vendedora magra e de olhos verdes (que olhos!) o aborda e o informa da promoção da semana: alugue três DVDs (na Blockbuster que funciona dentro da loja) e ganhe duas pipocas de microondas. Mas eu não tenho microondas, meu amor (não disse meu amor, claro). Em todo caso só tinha dinheiro para a passagem de ônibus. Saiu da loja e caminhou a esmo, até ir parar na Biblioteca Municipal, onde poderia ler e disfarçar sua solidão gratuitamente.
***
Uma canção de Caetano Veloso (Mora na Filosofia), que faz parte do álbum Transa, de 1972.


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

A televisão me deixou burro, muito burro demais

Concordo com quem disse (quem mesmo?) que é mais fácil se sentir sozinho vendo televisão do que lendo um bom livro. Mas, apesar de dispensar pouco tempo à tevê, confesso que gosto muito. Também pudera. Que pessoa nascida a partir dos anos 70 não cresceu vendo televisão? Os brasileiros em geral somos telespectadores assíduos, segundo as mais recentes pesquisas feitas por institutos especializados em futilidade. Parece que a nossa média é de duas a três horas de tevê por dia. Não é pouco. E, no tocante ao tempo de permanência na internet, somos os campeões. Batemos até os americanos, que inventaram o negócio. Orkut? Somos o maior contingente de usuários. Tudo isso apesar de possuirmos um dos mais caros e precários serviços de telefonia / banda larga do mundo.

A maior invenção do século XX (?)

O que tenho visto na tevê? Filmes, basicamente. E telejornais, claro. Vez ou outra assisto a desenhos animados e outros programas infantis com meu irmão caçula. Gostamos do Caillou, do Ben 10, do Pica-pau, do Piggley Winks; do Chapolin, do (clássico) Castelo Rá-Tim-Bum, dos ótimos Cocoricó e Vila Sésamo, Alfie - O Eteimoso... Sem contar as reprises de animações que vemos constantemente; conheço A Era do Gelo 2 como ninguém.

Por que eu não tive essa ideia primeiro?

Ontem revi metade do Boggie Nights, o segundo longa-metragem do Paul Thomas Anderson. Continuo gostando do filme e do estilo de P.T. Anderson. Pena que ele pareça ter abandonado (ao menos temporariamente) a marca que o consagrou, para fazer filmes como "Sangue Negro", que, embora não seja ruim, não tem o mesmo frescor dos seus trabalhos anteriores.

Burt Reinolds está fantástico neste filme

Não sou muito de seriados. Gostava dos Sopranos, gosto (um pouco) do House, e assisti (não muito entusiasmado) aos três primeiros episódios de True Blood, série criada por Alan Ball - o mesmo de A Sete Palmos - sobre o cotidiano de uma cidadezinha na Louisiana em que vampiros e humanos convivem em razoável harmonia.

É ruim mas é bom

Outra série de que gosto, mas que infelizmente não está em exibição no Brasil, é Divisão Criminal (The Closer), que narra o trabalho de um grupo de investigadores de uma delegacia de Los Angeles para desvendar casos de homicídio. O que difere este seriado dos outros de mesmo tema é o fato de o protagonista ser uma mulher, a delegada-chefe Brenda, interpretada pela ótima Kyra Sedgwick, atriz que não pertence ao panteão de estrelas multimilionárias de Hollywood, mas que já provou ser dona de enorme talento.

Eu casava

Quanto aos famigerados reality shows, tento fugir deles. Confesso (meio envergonhado) que assisti às edições anteriores do BBB, mas me acreditem: não vi um só programa da edição atual. Prefiro Troca de Família, que é mais inteligente, simples, e recompensador.

Terças e quintas às 22:45, na Record

Um dos melhores clipes já feitos

Dia desses, passeando pelos canais de tevê, topei com esse videoclipe do Eric Clapton, e me encantei com a qualidade do mesmo. É perfeita a adequação entre os conteúdos de som e imagem. Prova de que o belo quase sempre advém da simplicidade.

Confiram:

O fim do mundo e outras lorotas ou Passando o chapéu

Poema da necessidade

É preciso casar João,
é preciso suportar, Antônio,
é preciso odiar Melquíades
é preciso substituir nós todos.

É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus,
é preciso pagar as dívidas,
é preciso comprar um rádio,
é preciso esquecer fulana.

É preciso estudar volapuque,
é preciso estar sempre bêbado,
é preciso ler Baudelaire,
é preciso colher as flores
de que rezam velhos autores.

É preciso viver com os homens
é preciso não assassiná-los,
é preciso ter mãos pálidas
e anunciar O FIM DO MUNDO.

(Carlos Drummond de Andrade in Sentimento do Mundo)

Acrescento: É preciso pagar a conta do telefone.


Where is the fucking money?

É grave a crise, my fellows! Os telejornais noticiam o flagelo da indústria nacional. Queda de 12,4 % na produção - demissões em massa. Os bancos, contudo, nunca lucraram tanto. Spreads altíssimos, brada o presidente Lula, indignado. Mas se deu conta dos lucros absurdos que o setor bancário tem obtido nos últimos anos só agora? Depois os escribas da imprensa o chamam de apedeuta e ele se ressente. Quem manda dar entrevista dizendo que tem ojeriza à leitura dos jornais? Será que só o noticiário político-econômico lhe dá azia, ou a palavra escrita de um modo geral?

Clóvis Rossi (sensato e competente como sempre) escreveu na Folha de S. Paulo que essa crise financeira não é uma quimera nem uma tragédia natural. Ela foi gerada pela irresponsabilidade dos mercadores de crédito internacionais, banqueiros, especuladores, dirigentes de instituições financeiras de vulto como Allan Greeenspan e quejandos. Ou seja: não é um tsunami - muito menos uma marolinha -, mas sim um achaque de proporção global. Desculpe a indelicadeza, leitor, mas o que eu quero dizer é que colocaram no nosso rabo, entendem? E o pior é que esses caras receberam bônus milionários por seus serviços. Suspeita-se ainda que a fonte desse dinheiro seja a “ajuda financeira” concedida pelo governo americano às instituições de crédito. Ahá! Os manos tripudiaram. Fizeram os governantes de bobo. Lá, agora vejo, é como cá.

Mas eu confessava que é preciso pagar a conta do telefone... Mas como? Cá estamos todos desempregados. A mocinha da Telefonica aquiesceu em parcelar nossa dívida em quatro vezes. Agora só precisamos passar o chapéu. Será que Allan Greespan não dava uma forcinha? Alguém aí tem uma ideia? Pensei em colocar um cofrinho aqui no blog. Se cada um dos meus dois ou três leitores colocasse uma moedinha toda vez que acessasse o blog, quanto eu arrecadaria por mês? Talvez desse pra comprar um açaí-na-tigela, se bem que o preço do açaí subiu... Até tu, açaí!?

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Blog é uma merda!

Do blog da escritora Clarah Averbuck:

blog é uma merda. se você não escreve no blog, te mandam emails reclamando do abandono. se está se sentindo mal e escreve no blog, te escrevem reclamando que você reclamou. se você está feliz e escreve no blog, te acusam de só falar de si mesmo. se você cansou de ficar reclamando e ficando feliz publicamente porque causa muito furor e foi trabalhar, dizem que você está negligenciando seus importantíssimos leitores. então você publica um trecho de seu novo livro no blog e ele VIRA UM LIVRO DE BLOG. se você escreveu uma crônica e publicou no blog, ela vira um TEXTO DE BLOG. se você escreve um conto ficcional, ele vira um FATO CUSPIDO E NARRADO EM UM BLOG. depois ainda perguntam por que eu canso. mas aí fico com uma saudadinha de poder publicar a qualquer momento e faço um blog qualquer escondido. leva um tempo até descobrirem e é legal. depois, quando descobrem e começam a achar que o meu email é um SAC, é hora de acabar.

***
Clarah é uma pioneira da blogosfera. Os textos que ela publicou no extinto blog Brazileira Preta serviram de base para seu primeiro livro de ficção, Máquina de Pinball, que por sua vez foi adaptado para o cinema pelo diretor Murilo Salles (Nunca fomos tão felizes, Como nascem os anjos, Seja o que Deus quiser) no ano passado. O resultado pode ser visto em Nome Próprio, filme estrelado pela ótima Leandra Leal - ao qual infelizmente ainda não assisti. (Não ter acesso a produção cultural de qualidade é o que mais me deprime em viver no interior. Eu quero corda pr’eu me enforcar, porra!)

Não dá pra gritar nem fazer birra na internet - graças a Deus! Mas não se morre de tédio? Bem, a meu ver só morre de tédio ou solidão aquele que não tem talento. Se você não acredita em mim, assista a O Escafandro e a Borboleta, o belo filme dirigido por Julian Schnabel. Depois conversamos.

Mas, quase esqueço de concordar com Averbuck, blog é mesmo uma merda. Um conselho de amigo: não cometa o desatino de criar um blog. Porque qualquer chimpanzé pode criar e "alimentar" um blog com todo tipo de bobagem. O difícil é conseguir abandoná-lo depois. Vai por mim.

Bolsa Bichano

Contando ninguém acredita. Mas, no interior do Mato Grosso do Sul, um gato recebeu R$20,00 do Bolsa Família durante sete meses.

A notícia é antiga (foi noticiada pela imprensa no dia 24 de janeiro), mas eu só tomei conhecimento do caso ontem, enquanto lia os jornais da semana passada na Biblioteca Pública de Lorena.

A patuscada envolvendo o gato Billy, que, diga-se de passagem, não teve culpa de nada, é inegavelmente engraçada. Porém não há motivo para risos quando pensamos que existem inúmeros beneficiários ilegítimos de um programa que visa a amparar aqueles que vivem abaixo da linha da pobreza ou se equilibrando nela constantemente.

Mais informações aqui.

Cinema Mudo

Eu e meu pai não temos muita coisa em comum. Tirante o fato de que somos muito parecidos fisicamente, são poucos nossos gostos e opiniões convergentes. No tocante a cinema, por exemplo, meu pai não nutre o menor entusiasmo pelos títulos que me apaixonam. Ele prefere os filmes que são esquecidos logo após serem vistos; eu aprecio aqueles que ficam na memória por um bom tempo, gerando reflexão e reacendendo velhos conflitos internos e quase sempre insolúveis.

Quando assistimos a um filme juntos, não é raro que ele se aborreça de saída com o que chama de blablablá insuportável (leia-se a introdução da trama). "Muito falatório pro meu gosto", dispara, ríspido, virando pro outro lado no sofá. Se ninguém é assassinado ou não ocorre um crime instigante nos primeiros vinte minutos da fita, meu pai desiste dela. Conversação em cinema não é com ele. Meu pai - como eu não canso de enfatizar ironicamente - é um amante do cinema mudo.

Mas ele não é o único. A maioria das pessoas que conheço não tem paciência para assistir a filmes que por assim dizer fazem pensar. O que as cativa são os thrillers de ação espertos, daqueles que geram uma saudável (?) taquicardia do começo ao fim, e os dramas de forte apelo emocional. Sem falar nas comédias adolescentes de alto teor escatológico.

Mas, antes que me xinguem de ranzinza, intelectual xiita, ou de desprovido de senso de humor, quero dizer que também gosto de uma boa comédia, de um bom filme de ação, e, em menor grau, de um drama meloso. O que me difere dessas pessoas que mencionei acima é o fato de essa minha disposição para o passatempo cinematográfico ser a exceção, e não a regra. Pois, quando vou ao cinema ou à videolocadora, simplesmente não consigo deixar meu cérebro em casa.

O último dos irmãos Coen

Ontem fui ao cinema assistir a Queime Depois de Ler, o último trabalho dos irmãos Coen. O filme estreou no Brasil em novembro passado, mas, como a rede de cinema aqui do shopping padece de um anacronismo homérico quando o assunto é data de exibição, nós sempre somos os últimos a ver os títulos mais discutidos e badalados do circuito nacional - isso quando eles são exibidos por aqui, o que quase nunca acontece.

Queime Depois de Ler é uma tragicomédia ao melhor estilo dos Coen. Ou seja, um filme para fãs. Acontece que o cinema daqui mantém uma promoção para atrair público na segunda-feira, dia em o ingresso custa R$5,00 (inteira) e R$2,50 (meia). E como há muita gente de férias agora em janeiro, as salas costumam estar lotadas nas segundas e nas quartas-feiras. A sessão em que assisti ao filme dos Coen não estava lotada; havia umas trinta pessoas na sala; mas pelo menos dois terços delas se decepcionaram com Queime Depois de Ler.

Isso porque certamente nunca ouviram falar nos irmãos Coen e só compraram o ingresso para ver Brad Pitt e George Clooney em cena. Até aí tudo bem. O problema é que neste filme Pitt interpreta um personal trainer idiota que perto do final da história leva um tiro na testa, e Clooney vive um ex-policial cafajeste e não menos aloprado que dá o tiro na testa de Pitt.

Ouvi uma série de comentários desolados de expectadores medianos que não entenderam bulhufas do filme e por isso mesmo não se divertiram como eu me diverti. Os mais comuns foram: "Não tem pé nem cabeça"; "Não tem trilha sonora"; "A história é ridícula"; "Perdi meu tempo"; "Joguei dinheiro fora" etc. Paciência. É óbvio que essa gente que faz fila para assistir à sequência de Se eu fosse você não vai gostar do filme dos Coen. Mas, por outro lado, é ótimo e indispensável que vejam o filme de Daniel Filho. Porque se o exibidor não lucrar com esses títulos populares, nem cogitará de colocar em cartaz filmes alternativos como Queime Depois de Ler, Juno, Sweeney Todd, Brokeback Mountain, Possuídos, Encarnação do Demônio, O Labirinto do Fauno, aos quais assisti no cinema daqui.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Um post sobre nada, cronópio cronópio cronópio

" Perder o nada é um empobrecimento."

e ainda

"Acho mais importante o cu de um mosquito do que uma usina nuclear."

Manoel de Barros

O poeta mato-grossense Manoel de Barros especializou-se, ao longo dos seus mais de noventa anos de existência, em exaltar as formas de vida mais simples e, por isso mesmo, dotadas de grande apelo poético, como as plantas, os passarinhos, e os insetos. Seus livros estão repletos de seres miúdos cuja importância nem sempre é reconhecida por nós, seres "superiores" que transformamos nosso meio-ambiente com a mesma displicência errática com que o devastamos.

O primeiro livro de poemas de Manoel que me caiu nas mãos foi o extraordinário "Livro Sobre Nada (1996)", no qual o poeta reafirma sua admiração pelas pequenas criaturas da natureza. Encontrei o volume por acaso numa biblioteca pública do meu bairro, e à medida que avançava na leitura dos poemas, ia ficando cada vez mais fascinado por tão original expressão narrativa – e digo narrativa porque, mais do que simples elogios às coisas da natureza, os poemas de Manoel de Barros se caracterizam por conter sempre uma observação aguda da beleza e da sapiência dos pequenos atos humanos ou animais.

A seguir, um poema extraído do livro “O Guardador de Águas (1989).”

Retrato Quase Apagado em que se Pode Ver Perfeitamente Nada

I

Não tenho bens de acontecimentos.
O que não sei fazer desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por exemplo:
- Imagens são palavras que nos faltaram.
- Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.
- Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.
Ai frases de pensar!
Pensar é uma pedreira. Estou sendo.
Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo)
Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos.
Outras de palavras.
Poetas e tontos se compõem com palavras.

II

Todos os caminhos - nenhum caminho
Muitos caminhos - nenhum caminho
Nenhum caminho - a maldição dos poetas.

III

Chove torto no vão das árvores.
Chove nos pássaros e nas pedras.
O rio ficou de pé e me olha pelos vidros.
Alcanço com as mãos o cheiro dos telhados.
Crianças fugindo das águas
Se esconderam na casa.

Baratas passeiam nas formas de bolo...

A casa tem um dono em letras.

Agora ele está pensando -no silêncio líquido
com que as águas escurecem as pedras...

Um tordo avisou que é março.

IV

Alfama é uma palavra escura e de olhos baixos.
Ela pode ser o germe de uma apagada existência.
Só trolhas e andarilhos poderão achá-la.
Palavras têm espessuras várias: vou-lhes ao nu, ao
fóssil, ao ouro que trazem da boca do chão.
Andei nas pedras negras de Alfama.
Errante e preso por uma fonte recôndita.
Sob aqueles sobrados sujos vi os arcanos com flor!

V

Escrever nem uma coisa Nem outra
-A fim de dizer todas
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.

VI

No que o homem se torne coisal,
corrompem-se nele os veios comuns do entendimento.
Um subtexto se aloja.
Instala-se uma agramaticalidade quase insana,
que empoema o sentido das palavras.
Aflora uma linguagem de defloramentos, um inauguramento de falas
Coisa tão velha como andar a pé
Esses vareios do dizer.

VII

O sentido normal das palavras não faz bem ao poema.
Há que se dar um gosto incasto aos termos.
Haver com eles um relacionamento voluptuoso.
Talvez corrompê-los até a quimera.
Escurecer as relações entre os termos em vez de aclará-los.
Não existir mais rei nem regências.
Uma certa luxúria com a liberdade convém.

VIII

Nas Metamorfoses, em 240 fábulas,
Ovídio mostra seres humanos transformados
em pedras vegetais bichos coisas
Um novo estágio seria que os entes já transformados
falassem um dialeto coisal, larval,
pedral, etc.
Nasceria uma linguagem madruguenta, adâmica, edênica, inaugural
- Que os poetas aprenderiam -
desde que voltassem às crianças que foram
às rãs que foram
às pedras que foram.
Para voltar à infância, os poetas precisariam também de reaprender a errar
a língua.
Mas esse é um convite à ignorância? A enfiar o idioma nos mosquitos?
Seria uma demência peregrina.

IX

Eu sou o medo da lucidez
Choveu na palavra onde eu estava.
Eu via a natureza como quem a veste.
Eu me fechava com espumas.
Formigas vesúvias dormiam por baixo de trampas.
Peguei umas idéias com as mãos - como a peixes.
Nem era muito que eu me arrumasse por versos.
Aquele arame do horizonte
Que separava o morro do céu estava rubro.
Um rengo estacionou entre duas frases.
Uma descor
Quase uma ilação do branco.
Tinha um palor atormentado a hora.
O pato dejetava liquidamente ali.

***

A propósito, já que o assunto do post é a beleza das coisas inúteis, reproduzo abaixo um continho do livro “Histórias de Cronópios e de Famas”, de Julio Cortázar, outro eminente poeta do nada.

Costumes dos Famas

Aconteceu que um fama dançava trégua e dançava catala na frente de um armazém cheio de cronópios e esperanças. As mais irritadas eram as esperanças porque elas tratam sempre de que os famas não dancem trégua nem catala e sim espera, que é a dança que os cronópios e as esperanças conhecem.

Os famas se colocam de propósito na frente dos armazéns, e desta vez o fama dançava trégua e catala só para aborrecer as esperanças. Uma das esperanças depositou no chão seu peixe de flauta – pois as esperanças, como o Rei do Mar, estão sempre assistidas por peixes de flauta – e resolveu interpelar o fama, dizendo-lhe assim:

- Fama, não dance trégua nem catala defronte deste armazém.

O fama continuava dançando e ria.

A esperança chamou outras esperanças, e os cronópios fizeram roda para ver o que ia acontecer.

- Fama – disseram as esperanças. – Não dance trégua nem catala na frente deste armazém.

Mas o fama dançava e ria, zombando das esperanças.

Então as esperanças se jogaram em cima do fama e bateram nele. Deixaram-no ao lado de uma estaca, e o fama se queixava, envolvido em seu sangue e em sua tristeza.

Os cronópios chegaram furtivamente, aqueles objetos verdes e úmidos. Cercavam o fama e o lastimavam, dizendo-lhe assim:

- Cronópio, cronópio, cronópio.

E o fama compreendia, e sua solidão era menos amarga.