Por que "entrevistas de emprego?" Porque essa tem sido uma de minhas mais freqüentes ocupações há alguns anos. Portanto é natural que eu vez ou outra me dedique a esse assunto aqui na igrejinha. Até já descrevi uma entrevista de emprego em "Diário de um chimpanzé" - ao qual, diga-se, pretendo voltar em breve.
Pois então. Hoje à tarde tive uma entrevista de emprego numa loja de calçados aqui do shopping. Cheguei à praça de alimentação por volta das 13 e 40, vestindo uma camisa listrada nas cores bege e verde claro, calça jeans preta, e um sapato marrom de camurça puído. Trazia uma pastinha de plástico ridícula debaixo do sovaco, contendo três currículos (ou Curriculum Vitae, como querem os beletristas anacrônicos) e a Folha de S. Paulo do dia. Do meu rosto escorria um suor morno, e a coriza advinda com a gripe carnavalesca me fazia recorrer amiúde ao lenço plúmbeo que fedia a naftalina.
Espantei-me de ver tanta gente ocupando as mesas e circulando pelo local. Aquilo não condizia com a situação econômica descrita diariamente nos jornais. Ou será que o povo não está a par da recessão que nos ronda? Pouco importa. Fiquei embasbacado e tive de ir ao toalete.
Mijei, lavei as mãos e o rosto, depois fui até o bebedouro. Tomei alguns goles d' água gelada e um de água na temperatura ambiente para preservar a voz. A febre e a fadiga gripal dominavam meu corpo. Eu estava a ponto de tombar. Seria o segundo caso de morte no banheiro do shopping. Parece que ano passado um chimpanzé de meia-idade teve um infarto fulminante num dos reservados. Dentro em pouco devem começar a surgir os primeiros relatos de assombração.
Antes de me apresentar para a entrevista, postei-me num banco de madeira defronte da loja por alguns minutos. Apesar de desempregado veterano, as palmas das minhas mãos porejavam suor. Observei os vendedores com o fito de me orientar para um possível teste prático. E se me mandassem atender um cliente, assim, de pronto? Eu teria de rebolar. Hum... Nenhum problema pra quem já dançou na boquinha da garrafa.
13 e 58. Hora de me apresentar. Pé ante pé, entro na loja e finjo examinar vitrines. Um rapazinho de barba rala me aborda e digo vim para a entrevista, saca? Ele saca sim, e me encaminha até uma fileira de assentos ao fundo da loja onde cerca de dez chimpanzés, entre machos e fêmeas, aguardam com o mesmo objetivo que eu: ser feliz (?).
Quero ressaltar o seguinte. Dois homens são dignos da pena de morte: o inventor da dinâmica de grupo. E o tipo que arranca páginas de livros e os vende a sebos ou pela internet. Ambos já me deram muito aborrecimento. O primeiro, em especial, é merecedor de uma morte lenta e dolorosa, porque faz pessoas do mundo todo passar vergonha diariamente. E o segundo... Bem, o segundo é um golpista de quinta. Vejam vocês: tenho um romance (Desonra, de J.M. Coetzee) cujas duas páginas em que o autor descreve a transa de um professor universitário com uma jovem e bela aluna foram arrancadas. Comprei o livro num sebo em BH há cinco anos. Vou reclamar pra quem? Só Deus sabe onde anda o punheteiro que arrancou as páginas lúbricas.
Então fiquei lá na companhia de dez ou doze jovens chimpanzés. Em instantes uma gerente distribuiu formulários para todos. Cada um de nós demorou em média meia hora para preencher os formulários, que continham questões como: qual sua religião?, faz ou já fez tratamento médico?, faz uso diário de algum medicamento?, como você se imagina daqui a dez anos? etc. Em seguida fomos levados até uma saleta na administração do shopping, onde cada qual foi entrevistado individualmente. Acho que me saí bem desta vez. Se bem que já tive essa mesma impressão outras vezes, e no entanto... Mas algo me diz que desta feita será diferente. Aguardem, meus queridos. É provável que eu me torne um vendedor de calçados esportivos.
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Fiquem com esse clipe da balada "Na Pista", dos Paralamas do Sucesso.