terça-feira, 3 de março de 2009

Uma nação de ansiosos

O Grito, de Edward Munch
Desculpem, mas não me ocorreu nada menos clichê para ilustrar este post

Vocês têm idéia de qual é o medicamento mais vendido no País? Acertou quem respondeu Microvilar, anticoncepcional que vendeu 20 milhões de unidades em 2008.

Mas alguém aí sabe dizer qual foi o segundo remédio mais vendido em 2008? Não? Então respondo eu: Rivotril.

Segundo o IMS Helth - instituto que controla a indústria farmacêutica -, esse ansiolítico e anticonvulsionante vendeu cerca de 14 milhões de unidades no ano passado, desbancando medicamentos corriqueiros como Neosaldina, Buscopan e Tylenol. Até a famosa pomada contra assaduras Hipoglós vendeu menos que o tal Rivotril.

Matéria publicada na edição de 28 de fevereiro da revista Época informa que a classe dos tranqüilizantes é a sétima mais vendida no Brasil, e que o "fenômeno Rivotril" se deve, em grande medida, ao preço baixo do medicamento (uma caixa custa em média R$13,00), bem como ao diagnóstico incorreto de muitos médicos, que prescrevem Rivotril para pacientes que se queixam de dor de cabeça, estresse, gastrite etc. Isso, segundo especialistas, gera uma banalização do uso de antidepressivos - o que acaba por deixar milhares de pessoas dependentes de medicamentos controlados, os quais nem sempre são os adequados para tratar determinados casos.

Outro fator que colabora para a alta vendagem do Rivrotril é o que muitos psiquiatras chamam de "glamorização do ato de medicar-se." Isto é, os medicamentos psiquiátricos, antes vistos com maus olhos pela sociedade, de uns anos para cá passaram a ser aceitos com certa naturalidade. A ingestão desse tipo de remédio está até associada a status; quem pode, paga para se ver livre das angústias. Questões existenciais são tratadas da mesma maneira que distúrbios psíquicos; estar triste, deprimido ou ansioso - estados por que qualquer chimpanzé pode passar naturalmente - está sendo encarado como doença. E ninguém quer sofrer "à toa".

Lembro uma vizinha idosa que, após perder o marido, passou a tomar calmantes para dormir. Os filhos descabeçados eram outra grande fonte de problemas. De uma hora pra outra os cabelos daquela mulher tornaram-se branquíssimos. Passava o dia trancada no quarto e só fazia chorar. Haviam sido uma família de posses; agora viviam de uma pensão mixuruca. Às vezes, a velha saía de casa à noite e ia até a casa da lavadeira, que era quem lhe fornecia os calmantes. A filha da lavadeira era enfermeira e cuidava de arranjar os remédios no posto de saúde em que trabalhava. Até hoje lembro com horror o desespero da velha, quando a lavadeira lhe dizia que não tinha calmantes para lhe dar. Ela fincava os dedos alvos e enrugados na cabeleira algodoada e praguejava contra Deus e o mundo. Então a lavadeira a levava pra dentro de casa e lhe preparava um chá de capim cidreira. Um dia a velha dormiu e não acordou mais. Os filhos a acharam estirada na cama, com um terço numa mão e uma caixinha de calmantes na outra. Só a lavadeira chorou de verdade no velório.

Nós, que já fomos o povo mais feliz e festeiro do mundo, hoje somos uma nação de ansiosos.

Será possível?

Garçom, um Rivotril, por favor!

3 comentários:

  1. Ah, é possível, sim! Acredito que tudo, no final das contas, é obra da tecnologia. Tecnologia como um tudo, essa urgência nas coisas, ess mecanização e falta de humanismo.

    Ai, como eu queria ter vivido em outra década. A de 40 foi interessante. A de 50, idem. E a de 60, então! Nossa, maravilha.

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  2. Caro Bruno, muito atual esse seu artigo, realmente vivemos numa era em que se tem remédio para tudo. A indústria farmacêutica está bombando, e com a crise então, aí é que vende. Aliás entre farmácias e super-mercados não sei quem vende mais, por isso já se juntaram. Hoje no mesmo lugar você encontra a comida e o remédio. Até porque é pela boca que começa a maioria das doenças e o homem coitado morre pela boca como peixe. Hoje falta ânimo para fazer algo, tome antes um comprimido, falta tesão, tome um comprimido antes do ato, stress e insônia, tome comprimido antes de dormir. Já notou que sempre antes vem um comprimido, quando nos bons tempos era um whisky antes e um cigarro depois. Agora o que vem depois, são os efeitos colaterais. Ultimamente, quando encontro algum conhecido muito mais velho que eu, já não pergunto mais sua idade e sim quantos remédios está tomando. Não digo que um dia, precisando não vou tomar, pois já tenho uns quinze anos que não tomo nenhum, mas acho que tem médico, que tem mania de passar receita com uma série de remédios. Diz um amigo, que acha que muitos ganham comissão dos laboratórios, não acredito. Agora tem também cliente, se sair do consultório sem uma receita com alguns remédios prescritos, vai logo dizer que o médico é fraco. Minha gente, o que diferencia o remédio do veneno é somente a quantidade. O certo é, quando o médico passar um remédio, nos preocuparmos quando ficaremos livres deles, do remédio e do médico, para assim começarmos o processo de desintoxicação de nosso organismo, destas drogas que enriquecem essa indústria que movimenta milhões. O pior é que as televisões hoje fazem muita propaganda de remédios, inclusiva de gripe, que todos deveriam saber que se trata de uma doença cuja virose tem um ciclo de vida de dois a três dias, e que com ou sem remédios a pessoa geralmente tende a ficar curada dentro desse tempo. Um abraço, Armando. [recomentarios.blogspot.com]

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  3. É isso, meus caros. Estamos pagando por termos escolhido o caminho "mais fácil." Não queremos sofrer; queremos a solução imediata.

    Mas quero deixar claro que não sou contra - mesmo porque faço uso regular de um medicamento controlado - essa tipo de tratamento. Sou contra o uso irresponsável e, muitas vezes, desnecessário.

    Médicos e pacientes têm de usar de bom senso, senão ambos saem prejudicados.

    Abraço grande! E voltem sempre.

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