O tratamento lastreado em antidepressivos não podia ser interrompido subitamente. Caso isso ocorresse, haveria efeitos colaterais decorrentes da abrupta suspensão do uso do medicamento. Tontura, sudorese, dor de cabeça, desconforto gastrintestinal, terrores noturnos. Essas eram algumas conseqüências da interrupção repentina do tratamento. O organismo, habituado à ação da substância sobre o corpo, reagia à falta dela com uma espécie de tempestade. E isso, como bem enfatizou o dr. Augustus, não queria dizer que a paroxetina gerava dependência, e sim que o abandono do tratamento tinha de ser gradual. Os mal-estares cessariam dentro de poucos dias.
Provei dessas reações todas as vezes que ensaiei abandonar o tratamento. Após três dias sem tomar os comprimidos, começava a me sentir estranho. Meu corpo ficava à mercê de sensações adversas - qual zonzeiras, formigamentos, pulsação dentro da cabeça, cólicas gastrointestinais. Resumindo: eu me sentia podre. Esse era o preço que eu pagava por minha rebeldia suicida. Estava cansado daquelas consultas inúteis com o dr. Augustus. Nossos encontros tornavam-se cada vez mais banais. Comentávamos os assuntos do noticiário nacional, falávamos do tempo, do meu desempenho na faculdade, das malditas sessões de psicoterapia – pelas quais eu ainda não podia pagar. E eu nunca dizia o que realmente precisava dizer. Que o meu coração dava coices dentro do peito, os quais me lançavam violentamente para frente e me causavam uma sensação de dormência que surgia no estômago e morria na boca. Era o que eu queria dizer. Mas não tinha coragem de usar palavras tão chulas como coice e tranco diante do doutor, dentro daquela sala limpa e refrigerada.
Nós nos suportávamos. Eu precisava das receitas para comprar o medicamento. As atendentes da farmácia de manipulação continuavam a me tratar com bonomia. Às vezes eu chegava zonzo, cambaleante, sem fôlego à farmácia, e elas edulcoravam tudo com um sorriso amistoso. Meu corpo despencava sobre a cadeira. É pelo convênio, por favor. O suor escorrendo aos borbotões. Tiro um sorriso do fundo da minha alma para a morena que me atende. Mais alguma coisa, senhor?Assino o formulário que ela me entrega. Suas unhas estão pintadas de branco. Quer casar comigo?
terça-feira, 31 de março de 2009
Paroxetina - Trecho (IV)
Encerrando, ao menos por ora, a publicação de fragmentos do romance Paroxetina neste burgo, segue um breve relato das conseqüências da brusca interrupção do tratamento com antidepressivos na vida do personagem-narrador, Marcel dos Santos Reis:
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