Há no livro várias descrições de crises de pânico vividas pelo protagonista, Marcel. A que escolhi para postar aqui está no final do romance, e, se não é a de que mais gosto, é uma de que me recordo bem do momento em que foi gestada, por assim dizer. Ter lembrado de quando essa passagem foi escrita me fez querer compartilhá-la com vocês.
Vocês estão aí, não estão? Seja como for, lá vai:
De repente, é como se eu me encontrasse num campo minado; todos os caminhos tornam-se inseguros. Para onde quer que eu olhe, vejo objetos que se distanciam, enquanto de mim se apodera uma espécie de desespero. Então o ar começa a se rarefazer e, em conseqüência disso, minhas pernas já não me obedecem mais. Meu coração se acelera, põe-se a galope; dá início a um processo de agonia imediato; nesse instante sei que vou morrer. Mas, mesmo meu corpo estando tomado por uma desordem vertiginosa, luto para não sucumbir - sei que apesar de todo sofrimento e de toda força antagônica, preciso me manter de pé, raciocinando, sentindo o sol queimar a minha pele, a terra sob os meus pés, o vento, o vento... A poesia então é intrusa, mas também é alento. De que me servem agora os choros contidos? A visão do paraíso continua lá, em algum lugar, intacta, embora não inalterada. Fico feliz porque uma formiga se intromete num dos meus sapatos. Arfo, e permaneço parado. Pessoas andam de um lado a outro – meus estranhos, meus iguais. O motor dos automóveis fere-me a auto-estima, a fumaça dos automóveis... Faltam poucos metros pr’eu chegar ao prédio da faculdade, não posso desistir agora. Retomo o controle da minha respiração e começo a caminhar lentamente. O horror vai dando lugar a uma sensação de alívio. Atravesso a rua...
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À guisa de acompanhamento, John Coltrane. Saravá!
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