Terça-feira passada, assisti com satisfação ao melhor programa da televisão aberta brasileira. Sim, meus caros, ele é exibido pela tevê Globo nas noites de terça. Não, não se trata do irregular e dispensável Casseta & Planeta, nem do simplório e vulgar Toma lá, da cá – e sim do jornalístico comandado pelo veterano Caco Barcelos, Profissão Repórter.
Para quem não conhece o programa, segue uma breve descrição. A cada semana, uma equipe de repórteres liderada por Caco Barcelos elege um determinado tema – ou pauta, no jargão jornalístico – e o explora numa espécie de documentário multifacetado, onde os muitos vieses do assunto são desenvolvidos em micro-reportagens apresentadas de modo alternado ao longo do episódio.
Dito assim, parece que o programa não apresenta nada de novo, uma vez que a televisão nacional contém uma série de atrações semelhantes – entre elas o Globo Repórter, exibido pela mesma emissora. O que diferencia Profissão Repórter dos seus congêneres é a abordagem. Aqui, o que interessa é apresentar os “bastidores e desafios da reportagem”, isto é, revelar ao telespectador o que todos os veículos jornalísticos, televisivos ou não, procuram esconder.
Pois bem. Na última terça-feira 19, o tema em questão foi o cotidiano de um grupo de estudantes do ensino médio da periferia de São Paulo. Os repórteres se dividiram em duplas e investiram em algumas frentes de possível interesse jornalístico. Por exemplo: enquanto uma dupla acompanhava o dia-a-dia de uma professora de matemática que leciona cerca de catorze horas diárias para conseguir uma renda de R$ 3.000,00 mensais, uma outra registrava a rotina extraclasse de alguns alunos. Entre os muros da escola, professores sobrecarregados e mal pagos se esforçam para transmitir o mínimo de conhecimento a uma horda de adolescentes dispersos e desinteressados.
Conhecemos, por meio das lentes e da abordagem dos jovens repórteres, pessoas com as quais topamos diariamente e a quem muitas vezes não atribuímos o menor valor. Pessoas como essa professora de matemática, que, dona de uma inquebrantável resignação, ministra conceitos de álgebra, aritmética, geometria etc. a adolescentes como a mulatinha grávida de nove meses que não presta a menor atenção à aula por se julgar incapaz de entender as lições, e o rapaz algo tímido e franzino que deseja aprender para “ser alguém na vida” e concilia os estudos com o emprego de auxiliar de escritório numa indústria metalúrgica.
À medida que conquistam a confiança dos “personagens” que se destacam no transcorrer das matérias, os jornalistas conseguem registrar fatos da sua vida pessoal, e são essas incursões para além dos muros da escola que nos dão uma melhor noção de como vive a maioria dos brasileiros.
A jovem gestante divide o mesmo teto com oito irmãos e trabalha como babá para contribuir (modestamente) com o orçamento doméstico. Visitamos sua casa simples, conversamos com sua mãe, conhecemos até o beliche onde, segundo a mãe, a criança foi concebida. Em seguida, acompanhamos o garoto estudioso até sua casa depois da aula, por volta das 11 da noite. Ele nos convida para entrar. O repórter vacila, não acha o horário conveniente. Decide apenas cumprimentar o pai do menino, que descansa no sofá da sala. Da porta mesmo, esboça uma discreta saudação, que não encontra resposta. “É que ele está um pouco alcoolizado”, o menino justifica a apatia do pai.
Às cinco horas da manhã, o repórter apanha o menino em casa e juntos enfrentamos uma viagem de metrô de mais de uma hora até seu local de trabalho. E só algumas dezenas de quilômetros depois, após termos atravessado a maior cidade do país quase de ponta a ponta, nos despedimos do jovem aprendiz, na porta da fábrica.
Durante cerca de quarenta minutos, desfrutamos da companhia dessas pequenas criaturas. Tempo suficiente para descobrir que a professora de matemática, embora ensine com dedicação e goste do magistério, faz tratamento contra hipertensão. Para sermos apresentados a outros personagens e conhecer outras histórias, como a do garoto mais popular do colégio, um ex-encrenqueiro que, de acordo com a mãe, agora tem se comportado. Ele nos introduz nos diferentes “bandos” dos quais é integrante - pequenos grêmios que se caracterizam por seus gostos, seu modo de vida. Uns cultuam o hip-hop e o grafite; outros, o pagode e a cerveja; e há ainda os que curtem rock e skate. São os manos da periferia. A rapaziada que dribla habilmente as agruras rotineiras e ainda consegue "tirar onda". Tribos. Juntos esses jovens se sentem mais fortes. Intramuros, os que não se encaixam em nenhum grupo, os que destoam da maioria por alguma razão, são alvo de chacota. Em nossa curta estada na periferia da megalópole, recebemos a notícia de que um estudante de catorze anos cometeu suicídio. Numa carta deixada para a mãe, o garoto pede desculpas por não ter tido força suficiente para sobreviver aos anos de insultos e agressões físicas constantes.
Faltando poucos minutos para o final de mais uma edição do Profissão Repórter, a mulatinha extrovertida e sorridente que conhecemos no começo do programa entra em trabalho de parto. A repórter que a acompanhara desde o início da matéria segue depressa para o hospital onde a menina está prestes a dar à luz uma outra menina, cujo nome de pronúncia difícil foi extraído de um seriado estrangeiro qualquer.
Para quem não conhece o programa, segue uma breve descrição. A cada semana, uma equipe de repórteres liderada por Caco Barcelos elege um determinado tema – ou pauta, no jargão jornalístico – e o explora numa espécie de documentário multifacetado, onde os muitos vieses do assunto são desenvolvidos em micro-reportagens apresentadas de modo alternado ao longo do episódio.
Dito assim, parece que o programa não apresenta nada de novo, uma vez que a televisão nacional contém uma série de atrações semelhantes – entre elas o Globo Repórter, exibido pela mesma emissora. O que diferencia Profissão Repórter dos seus congêneres é a abordagem. Aqui, o que interessa é apresentar os “bastidores e desafios da reportagem”, isto é, revelar ao telespectador o que todos os veículos jornalísticos, televisivos ou não, procuram esconder.
Pois bem. Na última terça-feira 19, o tema em questão foi o cotidiano de um grupo de estudantes do ensino médio da periferia de São Paulo. Os repórteres se dividiram em duplas e investiram em algumas frentes de possível interesse jornalístico. Por exemplo: enquanto uma dupla acompanhava o dia-a-dia de uma professora de matemática que leciona cerca de catorze horas diárias para conseguir uma renda de R$ 3.000,00 mensais, uma outra registrava a rotina extraclasse de alguns alunos. Entre os muros da escola, professores sobrecarregados e mal pagos se esforçam para transmitir o mínimo de conhecimento a uma horda de adolescentes dispersos e desinteressados.
Conhecemos, por meio das lentes e da abordagem dos jovens repórteres, pessoas com as quais topamos diariamente e a quem muitas vezes não atribuímos o menor valor. Pessoas como essa professora de matemática, que, dona de uma inquebrantável resignação, ministra conceitos de álgebra, aritmética, geometria etc. a adolescentes como a mulatinha grávida de nove meses que não presta a menor atenção à aula por se julgar incapaz de entender as lições, e o rapaz algo tímido e franzino que deseja aprender para “ser alguém na vida” e concilia os estudos com o emprego de auxiliar de escritório numa indústria metalúrgica.
À medida que conquistam a confiança dos “personagens” que se destacam no transcorrer das matérias, os jornalistas conseguem registrar fatos da sua vida pessoal, e são essas incursões para além dos muros da escola que nos dão uma melhor noção de como vive a maioria dos brasileiros.
A jovem gestante divide o mesmo teto com oito irmãos e trabalha como babá para contribuir (modestamente) com o orçamento doméstico. Visitamos sua casa simples, conversamos com sua mãe, conhecemos até o beliche onde, segundo a mãe, a criança foi concebida. Em seguida, acompanhamos o garoto estudioso até sua casa depois da aula, por volta das 11 da noite. Ele nos convida para entrar. O repórter vacila, não acha o horário conveniente. Decide apenas cumprimentar o pai do menino, que descansa no sofá da sala. Da porta mesmo, esboça uma discreta saudação, que não encontra resposta. “É que ele está um pouco alcoolizado”, o menino justifica a apatia do pai.
Às cinco horas da manhã, o repórter apanha o menino em casa e juntos enfrentamos uma viagem de metrô de mais de uma hora até seu local de trabalho. E só algumas dezenas de quilômetros depois, após termos atravessado a maior cidade do país quase de ponta a ponta, nos despedimos do jovem aprendiz, na porta da fábrica.
Durante cerca de quarenta minutos, desfrutamos da companhia dessas pequenas criaturas. Tempo suficiente para descobrir que a professora de matemática, embora ensine com dedicação e goste do magistério, faz tratamento contra hipertensão. Para sermos apresentados a outros personagens e conhecer outras histórias, como a do garoto mais popular do colégio, um ex-encrenqueiro que, de acordo com a mãe, agora tem se comportado. Ele nos introduz nos diferentes “bandos” dos quais é integrante - pequenos grêmios que se caracterizam por seus gostos, seu modo de vida. Uns cultuam o hip-hop e o grafite; outros, o pagode e a cerveja; e há ainda os que curtem rock e skate. São os manos da periferia. A rapaziada que dribla habilmente as agruras rotineiras e ainda consegue "tirar onda". Tribos. Juntos esses jovens se sentem mais fortes. Intramuros, os que não se encaixam em nenhum grupo, os que destoam da maioria por alguma razão, são alvo de chacota. Em nossa curta estada na periferia da megalópole, recebemos a notícia de que um estudante de catorze anos cometeu suicídio. Numa carta deixada para a mãe, o garoto pede desculpas por não ter tido força suficiente para sobreviver aos anos de insultos e agressões físicas constantes.
Faltando poucos minutos para o final de mais uma edição do Profissão Repórter, a mulatinha extrovertida e sorridente que conhecemos no começo do programa entra em trabalho de parto. A repórter que a acompanhara desde o início da matéria segue depressa para o hospital onde a menina está prestes a dar à luz uma outra menina, cujo nome de pronúncia difícil foi extraído de um seriado estrangeiro qualquer.
*Título do filme francês que venceu a Palma de Ouro em Cannes, no ano passado. Dirigido por Laurent Cantet, o longa narra o cotidiano de uma escola pública da periferia de Paris.
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