domingo, 28 de março de 2010

Olhos Castrados

Para os outros, o universo parece honesto. Parece honesto para as pessoas de bem porque elas têm os olhos castrados. É por isso que temem a obscenidade. Não sentem nenhuma angústia ao ouvir o grito do galo ou ao ouvirem o céu estrelado. Em geral, apreciam os “prazeres da carne”, na condição de que sejam insossos.

(Trecho de História do Olho, de Georges Bataille.)

***
Sonho nº 12

Como de hábito, eu tinha passado as dezoito horas em que me mantivera acordado em constante conflito comigo mesmo. Naquela noite, o sono me engolfou por volta das quinze para as duas, depois de eu ter ficado meia hora pensando em como fazia tão pouco tempo que eu não adormecia sem antes me persignar e agradecer a Deus pelo meu bem-estar e o de meus familiares. Aos quatorze anos, eu era um menino temente a Deus, que sofria de insônia, e só se apaixonava por “garotas problemáticas”. Hoje não bendigo nem maldigo Deus nem o diabo, alterno noites de insônia crônica com períodos de folgada hibernação, e procuro sempre renovar meu amor pela mesma mulher: aquela que criei para mim mesmo tão-logo me vi envolvido pelas coisas do amor e do sexo (e da morte, claro!) há mais ou menos vinte anos.

Foi com essa mulher que sonhei aquela noite. Era então apenas uma amiga que tinha pudor em chorar apoiada em meus ombros. Eu era seu confessor mais fiel. E o mais que ela sabia sobre mim era que eu disfarçava minha solidão – mal e porcamente, ressalte-se – enviando mensagens de esperança e de adeus em garrafas de cerveja para ninguém. No sonho eu me negava a admitir que estava irremediavelmente apaixonado por ela. Para não correr o risco de ser desnudado pela força arrebatadora do seu olhar, eu tentava me manter o mais distante possível do seu campo de visão. Às vezes baixava a guarda e era surpreendido por uma investida sua que, por mais que eu relutasse em aceitar, acabava por extrair de mim revelações que só viriam à tona em sonhos ou em pesadelos febricitantes. Nossos momentos de maior intimidade se davam quando ela chorava e dizia desconhecer o cerne de sua dor. E o mais próximos que chegávamos da lubricidade era quando nos entregávamos desvairadamente à nossa idiotia galhofeira que nos provia de imensos e prazerosos risos.

Certo dia ela desapareceu resguardada pela neblina do sonho. E, para minha surpresa, seus amigos mais próximos me atiraram pedras. Diziam que eu só podia ser cego para não perceber que ela se afastara porque sentia que eu nunca corresponderia a seus anseios de mulher apaixonada. Fiquei furioso. Arranquei meu coração à unha e o guardei dentro de uma gaveta. Ela nunca mais voltou. E eu simplesmente acordei.

2 comentários:

  1. olá
    experimente o estante virtual
    tem um oscar wao em um sebo paulista por 20 pilas.
    abraços para ti.
    aguinaldo

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  2. Obrigado pela dica. Vou lá conferir.

    Abraço!

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