"Desde sempre, dormíamos cada irmão em seu quarto. Cumpri o dever de ser homem e deitei-me sozinho (...) Mas no outro dia, assim que me levantei, coloquei-me no sítio donde me vira ao espelho e olhei. Diante de mim estava uma pessoa que me fitava com uma inteira individualidade que vivesse em mim e eu ignorava. Aproximei-me, fascinado, olhei de perto. E vi, vi os olhos, a face desse alguém que me habitava, que me era e eu jamais imaginara. Pela primeira vez eu tinha o alarme dessa viva realidade que era eu, desse ser vivo que até então vivera comigo na absoluta indiferença de apenas ser e em que agora descobria qualquer coisa mais, que me excedia e me metia medo. Quantas vezes mais tarde eu repetiria a experiência no desejo de fixar essa aparição fulminante de mim a mim próprio, essa entidade misteriosa que eu era e agora absolutamente se me anunciava."
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Sonho nº 3
Ontem sonhei com Isabela Rosselini e perdi a hora para o trabalho. Encontrei-a numa festa de amigos comuns e pus-me a falar de minha admiração por ela desbragadamente. Era uma reunião íntima num apartamento modesto porém aconchegante, e - absurdo dos absurdos - os anfitriões eram seres sem rosto. Isabela foi gentil e atenciosa, mas parecia não compreender muito bem meu inglês middle brown. Descrevi o quanto seu trabalho me afetara em filmes como Veludo Azul e Amantes, por exemplo, enquanto bebíamos uma garrafa de vinho branco. Tamanho era meu entusiasmo ao falar de como suas performances em determinadas cenas eram de uma beleza quase etérea que me levava às lágrimas (ref. A cena da despedida com Joaquim Phoenix, na escada do prédio, em Amantes), que a certa altura Isabela pareceu descrer de minha sinceridade. Mas não havia a menor mossa de cinismo em minha postura, tudo o que eu desejava era dizer à Isabela o quanto eu a amo; o quanto admiro sua beleza clássica e seu domínio dos silêncios em cena. Eu bem que tentei transmitir isso a ela e acho que não me saí muito bem porque, sempre cortês e sensual, ela sorria e dizia oh, thank you! Kind of you, dear! Até que seu marido apareceu para apanhá-la. Assim que o vi pensei: esse sujeito não me é estranho, apesar de seu rosto estar oculto por uma esfera branca e lisa, tal qual os dos donos do apartamento. E mal o casal se despediu, eu acordei com o berro do meu celular. Era meu patrão, que, furioso, me chamava à responsabilidade.
LEgal viu Bruno ! adorei seu blog ! como sempre vç escreve muito bem mesmo ! parabens e felicidades!
ResponderExcluirObrigado, Erik. Apareça quando quiser.
ResponderExcluirUm abraço!