(um post filosófico e anti-higiênico)
Alguns de vocês dirão que perdi o juízo, mas nem isso me impede de escrever a sentença seguinte: A busca desenfreada pela qualidade de vida assola nossa sociedade.
Eu sei que você, distinto leitor, nada tem que ver com a legião de semi-analfabetos que garante a expansão do mercado de livros de auto-ajuda e demais títulos "úteis", fofos e gratificantes que atulham as prateleiras da meia dúzia de livrarias de que dispõe nossa grande nação. Também sei que você não sofre de acefalia – mal que campeia entre a maioria dos chimpanzés de classe média que enchem os carrinhos no supermercado, “passeiam” no shopping toda semana, trocam de carro e de aparelho celular todo ano, têm dois ou mais cartões de crédito, são vítimas de falso seqüestro, entre outras absurdidades. E é justamente por isso que me dirijo a você, pois sei que a chance de ser compreendido é maior. Não que isso tenha grande importância, mas a verdade é que até o mais cínico dos cronistas deseja encontrar leitores que se identifiquem com o conteúdo de seu discurso e /ou sejam capazes de criticá-lo com alguma habilidade.
O livro de auto-ajuda é, a meu ver, o objeto que melhor representa o estado em que a sociedade de consumo se encontra atualmente, o nosso zeitgeist. Os conselhos e as parábolas didáticas encerrados nas páginas dessas publicações denotam o grau de imbecilidade e alienação em que boa parte da população está mergulhada. Tudo o que importa é a busca pela qualidade de vida (leia-se felicidade), que pode assumir as mais variadas formas, dependendo do sujeito que a almeja. E o fato de eu ter deparado hoje na livraria com um livro intitulado Controle seu destino acabou por suscitar estas reflexões.
Não cheguei a folhear o referido livro; o que me manteve absorto por alguns instantes foi a suposição de que, se o título do livro fosse Controle seu intestino em vez de Controle seu destino, ele seria muito mais interessante. Livros de auto-ajuda deliberadamente utilitários, que orientam o leitor a realizar determinadas tarefas por conta própria, ou a se prevenir de doenças, por exemplo, não despertam minha antipatia. Os títulos que merecem meu total desprezo são aqueles que vendem uma “fórmula de felicidade”, que ensinam o sujeito a se tornar tão feliz quanto um chefe de família de propaganda de margarina.
A linguagem simplista e estúpida presente nesses livros está alinhada à adotada em determinados programas de tevê que têm como propósito ajudar o espectador a (supostamente) viver melhor. Oprah Winfrey entende um bocado disso. Outra apresentadora que se arvora em detentora da fórmula do bem-estar é a inglesa Gillian McKeith, cujo programa – também exibido pelo canal GNT – consiste em reeducar os hábitos alimentares dos britânicos. Numa das edições do Você é o Que Você Come, Gillian listou os 12 alimentos mais nocivos à saúde das pessoas, e, entre as muitas declarações categóricas que deu durante o programa, a que mais me chamou a atenção foi a de que apenas as fezes daqueles que se alimentam mal fedem. Ou seja, a merda de quem “come bem” é inodora, quiçá até perfumada, imagino. As pessoas só cagam fedido porque querem, afirma a apresentadora.
(Penso nos que dizem se alimentar apenas de luz. Sim, pois existem tais pessoas, que não ingerem nenhum tipo de alimento: vivem de luz. Qual será o odor da bosta deles? Aliás, se eles não comem nada, então nem devem produzir bosta nenhuma).
Há os vegetarianos radicais, que se julgam seres superiores à maior parte da humanidade, composta por bilhões de carnívoros empedernidos. Agem como se o fato de não comerem nenhum alimento de origem animal fosse uma espécie de ascetismo, como se Deus os preferisse aos demais mortais comuns. Há também os fanáticos da estética, que cultuam o corpo com ardor religioso, e não o “conspurcam” com alimentos não-saudáveis nem com o ócio. Os doutrinadores do sexo, que estão aí para nos ensinar a transar da maneira mais higiênica e eficaz, para que possamos sentir muito prazer e amiúde, mas sempre com muita segurança e assepsia. Sem esquecer os ditadores da moda, que forjam determinados patrões de beleza que excluem a maioria das pessoas desse mundo de gozo pleno, de glamour.
Autores e leitores de auto-ajuda e "literatura fofa"; apresentadores de tevê “do bem”; radicais da alimentação e da estética; doutrinadores do sexo; ditadores da moda e quejandos – corja que quer nos ensinar a viver bem, que quer nos vender a fórmula da felicidade. Por favor, nos deixem ser infelizes em paz.
Alguns de vocês dirão que perdi o juízo, mas nem isso me impede de escrever a sentença seguinte: A busca desenfreada pela qualidade de vida assola nossa sociedade.
Eu sei que você, distinto leitor, nada tem que ver com a legião de semi-analfabetos que garante a expansão do mercado de livros de auto-ajuda e demais títulos "úteis", fofos e gratificantes que atulham as prateleiras da meia dúzia de livrarias de que dispõe nossa grande nação. Também sei que você não sofre de acefalia – mal que campeia entre a maioria dos chimpanzés de classe média que enchem os carrinhos no supermercado, “passeiam” no shopping toda semana, trocam de carro e de aparelho celular todo ano, têm dois ou mais cartões de crédito, são vítimas de falso seqüestro, entre outras absurdidades. E é justamente por isso que me dirijo a você, pois sei que a chance de ser compreendido é maior. Não que isso tenha grande importância, mas a verdade é que até o mais cínico dos cronistas deseja encontrar leitores que se identifiquem com o conteúdo de seu discurso e /ou sejam capazes de criticá-lo com alguma habilidade.
O livro de auto-ajuda é, a meu ver, o objeto que melhor representa o estado em que a sociedade de consumo se encontra atualmente, o nosso zeitgeist. Os conselhos e as parábolas didáticas encerrados nas páginas dessas publicações denotam o grau de imbecilidade e alienação em que boa parte da população está mergulhada. Tudo o que importa é a busca pela qualidade de vida (leia-se felicidade), que pode assumir as mais variadas formas, dependendo do sujeito que a almeja. E o fato de eu ter deparado hoje na livraria com um livro intitulado Controle seu destino acabou por suscitar estas reflexões.
Não cheguei a folhear o referido livro; o que me manteve absorto por alguns instantes foi a suposição de que, se o título do livro fosse Controle seu intestino em vez de Controle seu destino, ele seria muito mais interessante. Livros de auto-ajuda deliberadamente utilitários, que orientam o leitor a realizar determinadas tarefas por conta própria, ou a se prevenir de doenças, por exemplo, não despertam minha antipatia. Os títulos que merecem meu total desprezo são aqueles que vendem uma “fórmula de felicidade”, que ensinam o sujeito a se tornar tão feliz quanto um chefe de família de propaganda de margarina.
A linguagem simplista e estúpida presente nesses livros está alinhada à adotada em determinados programas de tevê que têm como propósito ajudar o espectador a (supostamente) viver melhor. Oprah Winfrey entende um bocado disso. Outra apresentadora que se arvora em detentora da fórmula do bem-estar é a inglesa Gillian McKeith, cujo programa – também exibido pelo canal GNT – consiste em reeducar os hábitos alimentares dos britânicos. Numa das edições do Você é o Que Você Come, Gillian listou os 12 alimentos mais nocivos à saúde das pessoas, e, entre as muitas declarações categóricas que deu durante o programa, a que mais me chamou a atenção foi a de que apenas as fezes daqueles que se alimentam mal fedem. Ou seja, a merda de quem “come bem” é inodora, quiçá até perfumada, imagino. As pessoas só cagam fedido porque querem, afirma a apresentadora.
(Penso nos que dizem se alimentar apenas de luz. Sim, pois existem tais pessoas, que não ingerem nenhum tipo de alimento: vivem de luz. Qual será o odor da bosta deles? Aliás, se eles não comem nada, então nem devem produzir bosta nenhuma).
Há os vegetarianos radicais, que se julgam seres superiores à maior parte da humanidade, composta por bilhões de carnívoros empedernidos. Agem como se o fato de não comerem nenhum alimento de origem animal fosse uma espécie de ascetismo, como se Deus os preferisse aos demais mortais comuns. Há também os fanáticos da estética, que cultuam o corpo com ardor religioso, e não o “conspurcam” com alimentos não-saudáveis nem com o ócio. Os doutrinadores do sexo, que estão aí para nos ensinar a transar da maneira mais higiênica e eficaz, para que possamos sentir muito prazer e amiúde, mas sempre com muita segurança e assepsia. Sem esquecer os ditadores da moda, que forjam determinados patrões de beleza que excluem a maioria das pessoas desse mundo de gozo pleno, de glamour.
Autores e leitores de auto-ajuda e "literatura fofa"; apresentadores de tevê “do bem”; radicais da alimentação e da estética; doutrinadores do sexo; ditadores da moda e quejandos – corja que quer nos ensinar a viver bem, que quer nos vender a fórmula da felicidade. Por favor, nos deixem ser infelizes em paz.
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