quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Algumas cinematográficas II

Em DVD

Assisti a sete filmes em DVD nos dois últimos fins de semana:

O Leitor – Embora Kate Winslet esteja muito bem como a sentinela nazista que se envolve com o tal leitor do título, apenas isso não garante o interesse pelo filme, que aliás é bem enfadonho. Trata-se de um melodrama em dois atos com uma carga de “filme de tribunal.” A mensagem essencial do filme é a seguinte: facínoras também amam.

Foi apenas um sonho – Outro filme protagonizado pela ótima Kate Winslet, em sua segunda parceria com Leonardo DiCaprio. Dirigido por Sam Mendes (Beleza Americana, Soldado Anônimo), este drama versa basicamente sobre os conflitos de um jovem casal suburbano nos EUA da década de 50. Inconformados com sua vida monótona, Frank e April (DiCaprio e Winslet) sonham em se mudar para Paris a fim de viver uma vida menos ordinária. April é a atriz frustrada que não aceita sua condição de mãe e dona-de-casa, e Frank é um funcionário insatisfeito de uma grande empresa na qual o pai também fizera carreira como vendedor. Convencido pela esposa, ele resolve pedir as contas e ir para Paris. Quando a notícia se espalha, o casal vira motivo de chacota na vizinhança, o que só reforça seu desejo de mudar de vida. Um tema interessante – assim como o de O Leitor. Mas o resultado final é apenas mediano, como de resto toda a obra do diretor.

A Garota Ideal - Ryan Gosling vive um auxiliar de escritório misantropo que um belo dia apresenta uma boneca inflável como sua namorada à família e aos vizinhos. A princípio o espanto é geral, mas aos poucos todos aceitam o namoro com certa naturalidade a fim de não ferir os sentimentos do rapaz. Mais uma comédia dramática “sensível e inteligente” – e dispensável - produzida pelo cinema independente americano.

A Felicidade Não Se Compra – Clássico do cinema americano dirigido por Frank Capra e estrelado por James Stuart, em 1946. Uma parábola sobre os valores essenciais da América. Stuart interpreta um jovem do interior dos EUA que abre mão de suas mais altas ambições para se dedicar ao bem-estar da família e do povoado local. Aliás, só agora me ocorrem as (ligeiras) semelhanças entre esse filme e o recente Foi apenas um sonho. Cada qual trata do american way of life à sua maneira: o primeiro pela via do humor e do melodrama, e o segundo pela via da tragédia.

O Agente da Estação – Outro produto do cinema alternativo americano. Mas este me parece um projeto mais bem-sucedido que “A Garota Ideal”. Novamente o protagonista é um outsider, o que é quase uma regra inalterável do cinema indie mundial. Finbar (o ótimo Peter Dinklage) é um anão que trabalha numa oficina de brinquedos em Nova Iorque. Sua especialidade é o conserto de trens elétricos. Com a morte de seu patrão e amigo, Fin herda uma pequena propriedade à margem de uma linha ferroviária numa cidadezinha do interior, para onde acaba se mudando. Lá ele conhece um pequeno grupo de pessoas com quem faz amizade. O desenrolar dessas novas amizades e a maneira como Finbar encara o preconceito e o deboche são os fios condutores desse drama bastante acima da média.

Embriagado de Amor – O quarto filme do diretor Paul Thomas Anderson (Magnólia, Boogie Nights) é uma insólita comédia romântica estrelada por Adam Sandler e Emily Watson. Ele é um pequeno empresário do ramo dos desentupidores de pia, atormentado pela solidão e por suas sete irmãs superprotetoras; e ela é a “mulher misteriosa” que entra na vida dele por intermédio de uma das irmãs. A maioria dos recursos cinematográficos caros a P.T. Anderson está lá: planos longos, atuações carregadas (quase caricatas), cores vibrantes – porém não há mais o mesmo painel narrativo presente em seus trabalhos anteriores.

Amores – Comédia nacional sobre relacionamentos amorosos contemporâneos, dirigida por Domingos Oliveira, e baseada em sua peça homônima. Como em toda adaptação teatral, o forte é o desempenho dos atores, essencial para a sustentação da trama. Domingos de Oliveira filma de maneira muito simples: a câmera sempre acompanha os personagens de perto, restringindo ao máximo o espaço da ação. A preocupação com cenário, figurino, iluminação, e demais recursos técnicos é mínima – o que interessa é pura e simplesmente a mise-en-scéne. Divertido, sem dúvida. As questões discutidas também são bastante pertinentes. Mas o filme posterior de Domingos, “Separações”, me parece mais rico em todos os sentidos.

sábado, 22 de agosto de 2009

Algumas cinematográficas I

Últimas idas ao cinema



Inimigos Públicos - O último filme que me levou ao cinema. Um legítimo e moderno "filme de gângster", dirigido por Michael Mann, o mesmo dos ótimos Fogo Contra Fogo, Colateral e Miami Vice, e estrelado por Johnny Depp, Christian Bale e Marion Cotillard. As seqüências de ação são primorosas, os diálogos são inteligentes, e as interpretações (destaque para o sempre ótimo Deep), cativantes.


A Era do Gelo 3 - Tão divertido quanto os anteriores, embora menos interessante. O filme foi todo pensado para a exibição em 3 D, como provam as infindáveis cenas de ação que por vezes cansam um pouco. Ninguém sai insatisfeito do cinema, mas com a sensação de que o material se esgotou.


Transformers - A Vingança dos Derrotados: Com essa sequência, Michael Bay surpreendeu a todos com sua capacidade de superação: o filme é muito pior que o primeiro, que já é bem ruim. Duas horas e meia de tortura mitigadas apenas pela beleza de Megan Fox.


sábado, 1 de agosto de 2009

Diário de um chimpanzé (VI)

Rotina

Nos últimos dias ele tem alternado sentimentos de resignação e esperança. Quase nunca é agredido pela falta de sentido que sempre o acompanhou. Ainda não é a sensação de conforto absoluto que um dia pretende trazer consigo, a sensação de que viver é natural, e que portanto deve encarar seu destino humano como um chimpanzé ou um lagarto encaram o seu. Depois que experimentou o pânico, nunca mais conseguiu viver com total naturalidade; o tempo todo tem de se esforçar para convencer a si próprio de que estar vivo é natural e devemos tocar nossas vidas de acordo com o que nos constitui.

Tem saído para procurar emprego como de hábito. Na maioria das vezes fica sabendo de oportunidades por meio de amigos e conhecidos. Às vezes consegue uma ou outra entrevista; às vezes essas entrevistas se desdobram em segundas entrevistas ou em testes diversos, os quais ele encara estoicamente, sempre cuidando para transmitir uma impressão melhor do que sua aparência e seu semblante melancólico acusam. Quer impressionar sem cair no ridículo, mas quase nunca consegue. Diz pequenas mentiras e acredita que nunca vai ser desmascarado em razão da inocuidade desse ato. Mais do que mentiras, ele comete omissões. É um sonegador. Se fosse bom nisso, até que sentiria algum orgulho, mas passa muito longe da competência nesse quesito.

Gosta de acordar cedo – talvez pela ausência de obrigatoriedade. Se tivesse de se levantar cedo todos os dias, talvez passasse a não gostar. Gosta de tomar café na rua, e o faria sempre se dispusesse de recursos para tanto. Quando não sai à procura de emprego, vai à biblioteca municipal da cidade vizinha, Lorena. Descobriu o lugar por acaso, numa incursão à cidade, durante a qual deixou alguns currículos na agência de empregos do estado local e, na viagem de ônibus, conheceu uma delegada de polícia de meia-idade que lhe desejou boa-sorte. A biblioteca municipal de Lorena possui um acervo variado que lhe apetece. Além do mais, dispõe de assinaturas de jornais e revistas que ele gosta de ler com alguma periodicidade. Os funcionários o tratam com bonomia; permitem que ele empreste três livros por vez, e nunca o punem – sequer o repreendem – quando devolve os livros fora do prazo. A única ressalva que faz à biblioteca diz respeito à limpeza do local. Os banheiros são imundos. Não dispõem de papel higiênico nem de sabão para a higiene das mãos. A bem da verdade, a culpa pela imundície dos banheiros é dos usuários da biblioteca, que decerto reproduzem no ambiente coletivo o que fazem em casa. Caso essa suposição esteja correta, os azulejos do banheiro dessa gente devem estar sarapintados de bosta humana.

Cães vadios circulam livremente pelo prédio. Duas devotas de são Francisco de Assis - a mulher de cabelos tingidos de ruivo que trabalha no guarda-volumes, e a magrinha de olhos fundos que cuida do acervo restrito ao público – dão liberdade para que os cachorros se sintam à vontade no local, podendo se abrigar debaixo de qualquer mesa ou cadeira sem ser incomodados por ninguém, como se fossem vacas ou macacos sagrados indianos. E ele teme pelo dia em que atolará o pé num amontoado de merda canina ao adentrar o prédio, ao caminhar por entre as estantes de livros disponíveis para empréstimo, ou ao se dirigir ao cantinho debaixo da rampa de acesso à sala de informática para cadeirantes, onde jaz o bebedouro enferrujado.

Desfila suas dúvidas e sua insegurança pelos corredores das estantes. Abre livros empoeirados, lê alguns parágrafos, sente a aspereza do papel velho ao folhear. Agacha-se a fim de apanhar um volume na prateleira mais baixa. Permanece alguns minutos assim, de cócoras, namorando o romance, o volume de memórias, de conto, de poesia... Enrubesce quando se descobre observado: ainda é imaturo demais para ignorar o julgamento alheio. Quando se põe de pé novamente, sente uma dor aguda no joelho esquerdo, doente desde a manhã em que caiu no meio de uma partida de futebol na quadra da escola e nunca mais se levantou. Continua lá, estirado na intermediária, sob os olhares preocupados e zombeteiros dos colegas; sob o sol forte de uma bela manhã de verão.


(Continua.)