domingo, 15 de novembro de 2009

Algumas literárias I

Juventude – Esse romance de formação (ou deformação, como bem definiu André de Leones num post antigo) do escritor sul-africano J. M. Coeetze é um verdadeiro portento para os apreciadores da boa prosa. Narrado em terceira pessoa, no estilo conciso e sóbrio de Coeetze, consagrado em obras-primas como Desonra e Diário de um ano ruim, esse livro traz as memórias romanceadas do jovem John, um estudante de matemática e aspirante a poeta que ganha a vida trabalhando como programador de computadores numa sucursal da IBM na Londres dos anos 60. No seu tempo livre, além de dedicar-se à poesia, John visita museus, vai ao cinema, paquera, e faz leitura crítica dos escritores que admira. Na medida em que o emprego começa a lhe tolher as energias, ele acredita que não conseguirá alcançar seu fito maior, que é se tornar um bom poeta. Então lhe ocorre que a prosa é o caminho escolhido por aqueles que não conseguiram “encontrar a poesia”, ou seja, que a prosa é o refúgio dos poetas medíocres. Dúvidas as mais variadas o assaltam ao longo da narrativa, marcada por observações preciosas e agudas, do tipo que só os grandes escritores são capazes de produzir sem jamais cair no lugar-comum. Nada de muito extraordinário acontece no decorrer das cerca de 180 páginas em que acompanhamos a vida de John, e é incrível como Coeetze transforma essa “ausência de aventuras” num ponto positivo do romance, extraindo reflexão e grandeza do cotidiano insosso e não raro melancólico do protagonista. Juventude é o típico livro que, mal terminamos a leitura, dá vontade de começar de novo.

Austerlitz – Não sei que palavras usar para qualificar esse romance do escritor alemão W.G. Sebald. Fantástico, extraordinário, fabuloso, magistral – nenhum desses adjetivos define com justeza a obra de Sebald, e simplesmente dizer que se trata de uma obra-prima não ajuda a dar a dimensão da sua importância. Talvez o mais coerente seja afirmar que Austerlitz, com sua mistura de ficção, ensaio e memória, seja um livro inclassificável. Suas frases longas e sinuosas, de uma exatidão acadêmica, mas sempre repletas de cores, cheiros, sensações, nos transportam para um universo muito particular, causam uma espécie de suspensão do tempo real, e durante a leitura, o que não diz respeito a essa dimensão estanque se nos afigura irrelevante. Também as fotos que ilustram o livro nos causam grande arrebatamento, pois estão de tal modo relacionadas a esse mundo próprio no qual estamos mergulhados, que é como se emergissem de nossa própria consciência. E do que trata o romance, afinal? Grosso modo, Austerliz narra a história de um professor de arquitetura, Jacques Austerlitz, homem culto e viajado, cuja trajetória de vida foi brutalmente alterada pelo Holocausto. O narrador em primeira pessoa é um viajante que encontra o professor Austerlitz por acaso, numa estação ferroviária em Antuérpia, na década de 60, e se encanta pelos depoimentos que ouve dessa rica personagem com quem volta a se encontrar algumas vezes.

Quem tiver interesse em obter mais informações sobre a vida e a obra de W.G. Sebald, pode começar lendo este excelente texto escrito por Almir de Freitas para a revista Bravo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário