quarta-feira, 9 de junho de 2010

*Alguma coisa urgentemente

Sabe aquela sensação de que seu organismo, sua mente, seus anseios, seus medos, sua rotina estão te matando aos poucos? Uma sensação de sufocação que nos leva gradativamente ao desespero. Então...

Tudo bem, eu já esperava que você fosse objetar que qualquer pessoa, bem ou mal de saúde, satisfeita ou insatisfeita com sua vida, está morrendo aos poucos. Mas ocorre que a ansiedade gerada pelo descontentamento acelera o processo de envelhecimento e compromete a saúde de modo geral. (Não fui eu que descobri isso; consulte a literatura médica, ou o Google, tanto faz.) E era exatamente esse ponto que eu queria ressaltar.

Pena que seja tarde demais. Como foi que cheguei a essa conclusão? Não precisa ser nenhum gênio para saber. Você simplesmente acorda agitado no meio da noite e descobre que é tarde demais; que as coisas estão perigosamente distantes do ideal, e que por mais que você corra, jamais alcançará aquele bonde chamado satisfação, plenitude, maturidade.

(Puta que pariu! E não é que estou escrevendo igual à Lya Luft? Deve ser resultado de mandinga dos meus desafetos – que são poucos, graças a Deus.)

A juventude é uma mulher fatal. Um vírus incubado que pode se manifestar abruptamente caso você se torne um deslumbrado ou adquira o mau hábito de chorar com pena de si mesmo. Num dia você se sente apto a levantar os mais pesados halteres e a dirigir bêbado e em alta velocidade na contramão, e no outro você se descobre mais humano, matutando, algo acovardado, a respeito do seu futuro que se anuncia inglório. Eu queria ser muito mais, mas acabei me transformando nisso! E o pior é que a culpa não é dos meus pais, nem dos sucessivos governos corruptos e ineficientes, ou do pé na bunda que levei na oitava série. A culpa é minha e sua, porra!

Ouvir aquela velha canção do Bob Dylan te faz relembrar os amigos que se foram, os vivos e os mortos. Pequenas madeleines embebidas em cerveja preta suscitam mergulhos existenciais e engendram maremotos de melancolia. A recorrência e o apelo da infância são sempre um bom conhaque para noites frias e inóspitas. Mas talvez a estratégia mais eficaz para combater os dissabores do presente seja se apegar às pequenas conquistas, às virtudes incontestes que persistem mesmo na adversidade. E então gozar por um instante de uma felicidade “por assim dizer sem motivo”, como diria Clarisse.

É possível que você tenha lido os livros errados. Como é mesmo que se faz para viver um grande amor, seu Vinicius? Talvez esteja na hora de aderir definitivamente à “onda verde” e reciclar seus valores. Se você foi desmamado cedo demais, se descobriu precocemente que seu pai é um imbecil (e que você não é muito melhor que ele), se foi vítima de bullying, se em algum momento se sentiu confortável nadando neste caldo azedo de cultura em constante ebulição que banha desde Nova Iorque até o “cu do mundo”, se vive impelido a fazer alguma coisa urgentemente para não “desperdiçar sua vida” - e se, por fim, você passar a descrer da humanidade, com agá minúsculo ou maiúsculo, saiba que você não está só. Pulsos cortados, jorrando sangue, e um marmanjo dependurado numa corda atada ao pescoço podem até ser imagens românticas e, é preciso admitir, sedutoras, mas o apelo do suicídio nos é mais útil se encarado como “sopro de vida” (Clarisse de novo).

Bem, eu e você queremos crer quê, não?

* O título é o mesmo de um excelente conto do escritor João Gilberto Noll.